sexta-feira, 20 de setembro de 2024



HISTÓRIA Nº. 126

 

a hora de parar…

 

“No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

 

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.”

 

- Carlos Drummond de Andrade

 

“Melhor do que começar é saber a hora de parar” – Vitor Orlandi. Qualificando-os a todos como “Histórias”, a verdade é que os seus modestos escritos foram sempre mais do que meros repositórios de um passado restrito a um grupo específico de pessoas no qual se incluía. Como os amigos lembrarão, algumas vezes, nas suas dissertações, fez desabafos pessoais sobre desilusões, desgostos ou perdas irreparáveis ao nível de valores e princípios a que foi assistindo. Sempre que se justificou não deixou de criticar o mundo e o comportamento da vida em sociedade. As pedras do caminho foram endurecendo as palavras que há sete anos eram bem mais leves, bem mais suaves…

 

Os seus bons amigos que, discretamente, o acompanharam nesta longa caminhada, ficaram a conhecer, mais do que as histórias de seres encantadores e que o Alemão carinhosamente contou, a sua própria história. Ou seja, a parte acessível, porque, dizendo muito, nunca disse tudo, e mesmo o que disse, em muitos momentos, fê-lo de forma convenientemente enigmática. Como tantas vezes confessou, escrevia para si mesmo!...

 

Mentalmente, já vinha antecipando este momento. Escolheu este dia, anterior a um que lhe diz muito em cada ano (!...), por lhe parecer o melhor como demarcador de tempos.

 

As cento e vinte e seis Histórias, devidamente acondicionadas, estarão guardadas, a partir de agora, na gaveta das suas mais gratas recordações. Quanto ao Alemão, talvez apareça por aqui, de vez em quando, sob outro formato. Para rever os amigos, os bons amigos.

 

“Às vezes é preciso parar e olhar para longe, para podermos enxergar o que está diante de nós” – John Kennedy. 



 

terça-feira, 17 de setembro de 2024



HISTÓRIA Nº. 125

 

E Deus, onde fica no meio de tudo isto?...

 

“Poucos são os que têm privacidade para ficar tristes. Neste mundo de vigília e patrulha constantes, é um luxo poder sofrer sem ter ninguém nos observando.”

- Martha Medeiros

 

Ultimamente, com frequência se ouvem desabafos: “está tudo doido!” Reação a comportamentos humanos que, nesta altura da vida, deveriam estar já erradicados. Um perverso levantamento de poderes, que o Alemão receava pela perda de valores e princípios tantas vezes aflorados nos seus textos, provocou e alimenta uma agitação na maioria das pessoas que ninguém se atreve a adiantar por quanto tempo durará. Irritação descontrolada e duradoura. Tantos sentimentos de natureza antagónica foram desavisadamente despertados nestes últimos tempos. Convivência estranha, atípica até, tendo em conta a vincada diferença da natureza de cada um deles, uniram as suas forças numa aliança de cedências entre si até há pouco impensável. Quem lê, entenda! A visão atual do mundo é muito preocupante. Diversas frentes de combate… e cada vez menos gente para as enfrentar. Resultando, ainda que em diferentes níveis (famílias, povos, mundo em geral…), em fomes, pestes e guerras. O Alemão arrisca, ainda, uma pergunta para si pertinente: e Deus, onde fica no meio de tudo isto?...

 

O Alemão tem uma “maneira romântica de ficar triste”, na definição que Mário Quintana deu ao estado de “melancolia”. Olham-no e especulam acerca da tristeza profunda em si instalada e que, sem o querer, deixa transparecer, embora sem perder o sorriso que desde criança mantem. Olha para o muito que se perdeu e desconfia que muito se perderá ainda! É que, “está tudo doido!”, também faz parte das suas conclusões, numa altura em que as forças começam a ser insuficientes. Todavia, uma réstia de esperança persiste:” Esperei com paciência no Senhor, e ele se inclinou para mim e ouviu o meu clamor” – Salmo 40.

 

O Alemão sabe que alguns dos seus amigos consideram a solidão que cultiva e a tristeza que aceita como companhia males que deveria eliminar com brevidade, pois “a vida é como um conto ligeiro” - (Salmo 90) e já não haverá muito daquele texto para ler.

 

Amigos, já é tarde para mudar!... “Trago tristezas particulares, tão minhas que só na solidão posso senti-las. Acho que todo mundo tem aquela tristeza só sua; às vezes somos egoístas até com a nossa dor” - Caio Augusto Leite.   




sexta-feira, 30 de agosto de 2024



HISTÓRIA Nº. 124

 

A Banda do Avô…

 

“Não é tristeza, apenas cansaço.

Afinal, são tantas as batalhas.

Não é falta de fé, é compasso de espera,

Para que aquilo em que tanto se acredita se realize.

Não é medo, é resguardo, cuidado.

Resguardo para se dispor em momentos de menos turbulência.

Não é solidão, é opção, não querer trazer ninguém para o meio do

seu “eu em confusão”.

Não é tempo perdido, é momento de reconstrução.

Porque tudo isso vai passar…

Porque de repente você volta em paz, inteiro e mais leve.

Que seja breve…”

- Jorge Luiz de Alencar Soares

 

 

“Não é tristeza, apenas cansaço”. Subtil nuance poética em missão atenuadora do sofrimento causado por um dos sentimentos mais frequentes do nosso tempo. Esforço inglório, porém: é que a tristeza dói, mas o cansaço também dói, dói sim, e muito!...

 

O cansaço chegou com a idade, inevitavelmente. As forças se foram e, agora que tão necessárias seriam, já não existem. A consciência dessa incapacidade traz a dor provocada pela decorrência da inutilidade. Acresce a dor da quase resignação para que o encaminham alguns dos impacientes desta vida, ainda que gentilmente sugerida: hora de viver os netos, seis lindas criaturas de Deus que o Alemão ama profundamente…

 

E como dói o olhar para a vida nestes dias! Impossível ficar indiferente perante o estado de degradação a que o mundo chegou, embora haja quem considere que nunca se evoluiu tanto como nestes últimos anos… Em que sentido? Qual o preço? Ver seriamente atingidos por desvalorização e desprezo princípios e valores que sempre defendeu e difundiu com a sua frágil voz através dos tempos, provoca em si uma dor profundíssima que nenhum analgésico acalma. Infelizmente, muitos dormem, ignorando o aviso divino: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação” - Mateus, 26.

 

O Alemão faz suas as palavras que respeitosamente transcreve: “Sim, não foi fácil, caí e perdi, mas também venci. Venci o sono e o cansaço, venci o medo e a desilusão, venci a frustração e as críticas, venci a mim mesmo. Já pensei em desistir, mas continuei. Já pensei em abandonar, mas fiquei. Já cansei, mas continuei. Perder também é uma vitória. Por isso, nunca julgue alguém pelo brilho das medalhas, pelas cicatrizes da vitória, pela estante de troféus, pois você não faz ideia de quantas vezes ele já perdeu para conseguir vencer” - Wilton Lazarot

 

Já agora, só para terminar, “também temos saudade do que não existiu, e dói bastante.”  

Carlos Drummond de Andrade. 






sexta-feira, 23 de agosto de 2024



HISTÓRIA Nº. 123

 


O silêncio é uma confissão…

 


“Eu sou antes, eu sou sempre, eu sou nunca. E o que me espera é exatamente o inesperado. O que saberás de mim é a sombra da flecha que se fincou no alvo. Pois há segredos que eu não conto nem a mim mesma. O silêncio que trago em mim é a resposta ao meu mistério.”

- Clarice Lispector

 


“Não sei se sou extremamente sensível ou a vida é insuportável”, disse Vicent van Gogh, célebre pintor holandês do século XIX.  O Alemão, mais do que nunca, revê-se nesta expressão que leu hoje por mero acaso. Vive no meio dos seus silêncios, poupado nas palavras que nunca se permite, apoiado numa mudez preventiva, intencionalmente cautelosa. Gasta os dias no seu mundo com muitos anos e que lhe custou imenso a construir. Mas, apesar da prudência nos seus passos, não deixa de perceber incursões subtis, por caminhos de aparente bondade, à procura de mistérios que são só seus, unicamente seus. É o outro mundo, que o Alemão procura manter distante do seu, a movimentar-se em sua direção!...

 

No dizer de Camilo Castelo Branco “o silêncio é uma confissão”. Parece ter razão! Por isso, talvez, a manifestação de tanta criatividade nas deduções feitas pelos mais compulsivos curiosos, para lhes não chamar outra coisa… O Alemão precisa de paz!

 

E para não desiludir o esforço dos preocupados, mesmo dos sinceros, deixo-vos de seguida a confissão que explica, exatamente um mês depois de tanto silêncio, a razão de por aqui ter passado neste fim de tarde da penúltima sexta-feira de Agosto de 2024:

 

“Hoje a carência é minha.

Posso te contar um segredo?

Na verdade, uma confissão…

Senti saudades!”

                                                                                                                                                    - Torresjeh



 

terça-feira, 23 de julho de 2024



HISTÓRIA Nº. 122

 

O Bem e o Mal…

 

“Os homens deviam ser o que parecem ou, pelo menos, não parecerem o que não são.”

- William Shakespeare

 

O jogo cauteloso das palavras, atenuador da dureza dirigida a uma das posturas humanas mais usadas e criticadas atualmente: a dissimulação. O distinto escritor inglês aponta o caminho da verdade, da autenticidade. Até o Alemão que, sem reservas, subscreve a introdução acima, procura as melhores palavras quando da adjetivação, felizmente não generalizável, dos sentimentos que prejudicam a vida em sociedade, sobretudo ao nível das boas relações que se esperam duradouras.

 

Diz o nosso povo, num dos seus adágios mais antigos, que “nem tudo o que reluz é ouro”. Mas a verdade é que, lamentavelmente, o brilho sedutor da aparência fascina a alma mais pura e simples. E uma mentira bem contada e inúmeras vezes repetida consegue ganhar foros de verdade! Um sorriso, uma palavra, ou um gesto inautênticos, hipócritas até, alcançam facilmente estatuto de sinceridade inatacável.    

 

Como alguém disse, “a verdade sempre aparece, pois é uma das regras fundamentais do tempo.” Impressionante como o tempo acaba por revelar a verdade dos sentimentos declarados: tantos se apresentam nobres sem o ser; tantos são tidos como falsos sendo verdadeiros. Quando assumida, a virtuosa paciência, nem sempre compreendida por ser controladora de desesperos e travão de precipitações, nunca vê frustrada a sua resistência. Pode questionar-se se vale a pena aguardar, muito ou pouco, mas os valores resultantes da espera serão sempre compensadores: pelo menos, o triunfo do certo sobre o errado, do verdadeiro sobre o falso!...

 

Discernir entre o bem e o mal, o desafio instante nestes tempos tão perturbadores!...  

 

“A sociedade vive num sistema hipócrita. Todos querem sinceridade, mas ninguém luta por isso.”

- Tatiana Moreira Alvarez




domingo, 21 de julho de 2024



HISTÓRIA Nº. 121

 

Mas, tudo bem!...

 

 

“Faz de conta que a vida é perfeita, que tudo é possível, que o mundo conspira só a favor do bem;

Que as lágrimas são doces, que os arranhões são confetes, que a tristeza não machuca;

Que a dor foi embora, que o riso agora, chegou para ficar.

Faz de conta…”

- Marina Rotty

 

 

Noite muito mal dormida. Amanhecer antecipado. Domingo de Verão a anunciar-se digno desta estação tão desejada. Uma espreitadela sobre a rua ainda deserta recordou-lhe os tempos em que a cidade ficava vazia nesse dia consagrado ao descanso. Sabe, porém, que, daqui a pouco, não faltarão os idiomas mais diversos falados pelos transeuntes da baixa portuense a confirmar a atual realidade babélica da linda cidade que o viu nascer no século passado. Mas, tudo bem!

 

Programa do dia necessariamente alterado e que lhe lembrou um pequeno texto sobre a falibilidade dos projetos humanos: “Digo-vos que não sabeis o que acontecerá amanhã. Porque, que é a vossa vida?” - Tiago, Bíblia Sagrada. E de há um tempo a esta parte, quantos ajustamentos de última hora a corrigirem previsões apontadas como certas e que, acredita o Alemão, nem sempre terão sido bem compreendidas …  Mas, tudo bem!

 

Com tempo para pensar, o Alemão foi deambulando ao sabor da liberdade que a si mesmo ofereceu nesta manhã de Julho. Sim, que ofereceu a si mesmo, excecionalmente, porque não é normal permitir-se estas divagações mentais, a fim de evitar possíveis encontros antipáticos e indesejáveis, estragadores da paz conseguida através de algumas concessões. E foram muitas através dos anos! Hoje, com os devidos cuidados, sempre ajudará a passar o tempo…  Mas, tudo bem!

 

Façamos de conta que a vida é perfeita!...



 

terça-feira, 9 de julho de 2024



HISTÓRIA Nº. 120

 

O cansaço…

 

“Confesso que ando muito cansado, sabe? Mas um cansaço diferente… um cansaço de não querer mais reclamar, de não querer pedir, de não fazer nada, de deixar as coisas acontecerem.”

- Caio Fernando Abreu

 

Reconhece já não ser capaz de, pelo menos, tentar contrariar tendências alteradoras de princípios e valores que com tanto esforço defendeu e procurou preservar. De quadrantes inesperados, imprevisíveis, novos ventos, a quem conferem o estatuto de inevitabilidade, sopram firmemente, impondo sem discussão a sua vontade, uma nova e indiscutível vontade. Outros tempos que alegram o novo mundo e os seus seguidores e entristecem os poucos que os não aceitam nem suportam. “É o que é”, diz-se em linguagem moderna!...  

 

As últimas adversidades pessoais, preocupantes, serão, segundo alguns, matéria bastante que justifica a visão desconfiada que o Alemão tem do mundo em que vive e a dureza injusta das palavras que usa nas suas exposições. Mas, cento e vinte fanecas da pedra depois, ao longo de cerca de sete anos, os seus leitores confirmarão que a denúncia da queda de princípios e valores esteve quase sempre presente naqueles humildes textos. Não é pessimismo: é desgosto. Tristemente, o mundo desmorona-se e poucos o percebem!...

 

Na verdade, esperava maior resistência em gente que viu crescer perto de si através dos anos. O ânimo generalizado parecia inacabável. “A mão no arado sem olhar para trás” era reveladora de firmeza inabalável de um dos mais belos sentimentos: amor por amor. Tempos difíceis os de hoje!...

 

Embora compreenda o prejuízo imenso causado pela exigência dos novos tempos e dos novos ventos, o Alemão, fazendo o que pode, embora pouco, não tem deixado de, com os seus desabafos escritos, exercer alguma pressão na esperança de ver redinamizado o esforço perdido e reavivado o querer enfraquecido. Oxalá consiga!

 

O pior é o cansaço!...

 

“Um supremíssimo cansaço,

Ìssimo, íssimo, issimo,

Cansaço…”

                                                                                                                                     - Álvaro de Campos 





domingo, 23 de junho de 2024




HISTÓRIA Nº. 119

 

Nunca desista…

 

“Farto de ver. A visão que se reencontra em toda a parte.” – Arthur Rimbaud

 

“Venho de longe, farto de luta, vi tanta falta de amor” - Autor desconhecido. Começam a faltar as palavras diante da fartura de temas acerca da maldade emergente, completamente à vista de todos. Maldade que sempre existiu, é verdade, e que os nossos ancestrais foram testemunhando de diversas formas através dos tempos, agora, porém, com novas e decentes roupagens: a hipocrisia, a dissimulação, o embuste, a intriga. Sementes que, uma vez germinadas lá atrás, não precisaram de ver repetido o seu lançamento na terra, nunca mais. Renovam-se naturalmente…  “O mundo está farto de ódio” – Gandhi.

 

Farto do que vê, nauseado pelo odor fétido do lugar de águas paradas em que o mundo se transformou, o Alemão acentuou a busca de lugares onde descanse e respire um ar saudável de amor e de paz. Revê-se, por isso, nos dizeres sempre acutilantes de uma escritora que admira: “Volto-me então para o meu rico interior. E grito: eu sinto, eu sofro, eu me alegro, eu me comovo. Só o meu enigma me interessa” - Clarice Lispector.

 

Inquietação que atingiu, infelizmente, a muitos que o Alemão achava impermeáveis aos movimentos tão claros, embora esforçadamente disfarçados, dos males que proliferam no seio da sociedade em que atualmente se vive. “Tomar a nuvem por Juno”, ou “a árvore pela floresta”, não deixa de ser preocupante…

 

O Alemão vai resistindo, mas reconhece já não ter a força de outros tempos. As deceções resultantes de umas quantas situações lamentáveis, foram golpes excecionalmente duros e profundos. Sucedem-se, assim, as cicatrizes que são uma espécie de “mapa da vida em relevo”, como disse, certa vez, um amigo de longa data, a propósito das marcas que o sofrimento deixa no corpo e que nenhuma roupa consegue esconder…

 

A final, a postura que lhe tem sido aconselhada em tantos momentos da vida: “Nunca desista, nunca, nunca, nunca! Em nada, grande ou pequeno, importante ou insignificante… Nunca desista” - Winston Churchill.




sexta-feira, 31 de maio de 2024



HISTÓRIA Nº. 118

 

As lágrimas…

 

“Há um tipo de choro bom e há outro ruim. O ruim é aquele em que as lágrimas correm sem parar e, no entanto, não dão alívio. Só esgotam e exaurem. (…) Homem chorar comove. Ele. O lutador, reconheceu sua luta às vezes inútil. Respeito muito o homem que chora. Eu já vi homem chorar.”

- Clarice Lispector

 

A Faneca da Pedra é um dos seus refúgios. Nela vai registando os seus estados de alma, as lágrimas de choros bons e de choros ruins, algumas das suas mais gratas recordações, alguns dos mais marcantes acontecimentos da sua vida…  e até os seus gritos mais silenciosos, sem limites de decibéis, inaudíveis aos desalinhados, embora haja ouvidos mais sensíveis que os escuta e compreende. Não desconhece que o estilo, quase sempre enigmático, reduz o interesse de eventuais seguidores. Mas, como disse pelo passado, “o Alemão escreve para si mesmo”. Uma coletânea de simples textos que compartilha com os amigos que resistem, ainda.

 

A passo lento vence o percurso de cada dia: umas vezes sem que nada, mesmo nada, aconteça; outras, intensas e cansativas pelo uso e abuso de tanta pontual utilização alheia… O importante é estar sempre pronto para tudo e, sobretudo, para nada! Em estado de alerta, suportando pacientemente o acentuado desgaste de expetativas tantas vezes vazias, tantas vezes inúteis, aniquiladoras de sãos sentimentos. A tristeza silenciada perante a ferocidade das adversidades que ganham cada vez mais espaço no mundo.

 

Não resiste à reprodução de um poema de Miguel Torga, seu autor favorito, que deixa perceber a sua definitiva desistência perante a impossibilidade de alterar o inalterável:


“Agora,

O remédio é partir discretamente,

sem palavras,

sem lágrimas,

sem gestos.

De que servem lamentos e protestos

Contra o destino?”

- Miguel Torga

 

Noite alta, sono ausente, preocupações vivas… e o amanhecer ainda distante. De repente, o silêncio interrompido por um indicador de chegada de mensagem. Alguém, no mesmo fuso horário, mas a muitos quilómetros de distância, informava carinhosamente: “Deus acabou de me despertar para orar pelo irmão” – eram 3 horas e 37 minutos… O Alemão não ficou indiferente!

 

Às palavras de Clarice Lispector – Choros ruins -, de Miguel Torga – Sem lágrimas –, junta, agora, as palavras luminosas de William P. Young, in A Cabana: “Jamais desconsidere a maravilha das suas lágrimas. Elas podem ser águas curativas e uma fonte de alegria. Algumas vezes são as melhores palavras que o coração pode falar.”

 



sexta-feira, 24 de maio de 2024



HISTÓRIA Nº. 117

 

 

“Faz de conta que a vida é perfeita, que tudo é possível, que o mundo conspira só a favor do bem;

Que as lágrimas são doces, que os arranhões são confetes, que a tristeza não machuca;

Que a dor foi embora, que o riso agora chegou para ficar.

Faz de conta…”

- Marina Rotty

 

Bonito amanhecer. Céu limpo, sol radioso, temperatura um pouco mais que amena. O bom tempo terá vindo para ficar. O passeio matinal pelas ruas envolventes, mais a inevitável incursão pelo fervilhante e estrangeirado Mercado do Bolhão (novo), deram-lhe um ânimo de que já se não lembrava há muito. Só terá faltado o reencontro com algum amigo – pelo passado, muitos pisavam aquelas paragens - e a troca de saudações que, mais do que cortesia, eram dádivas recíprocas de uma paz autêntica, duradoura. Eram dádivas de amor!...

 

Chegado a casa, contabilizou os passos dados, calculou a distância percorrida e as calorias queimadas. Já obteve melhores resultados, mas este “passeio higiénico”, mais do que pelos efeitos terapêuticos sempre de considerar, valeu pela recordação de quem, por muitos anos, naquele espaço mercantil, consumiu a maior parte das suas vidas. Para o Alemão, então adolescente, visitar o Bolhão era adentrar numa espécie de recinto sagrado onde gente simples, boa, generosa, honesta, procurava ganhar o pão de cada dia. Ao fundo da escada principal, lá estava sempre a imponente e vigorosa Emília Peixeira de cujos abraços o Alemão fugia, nem sempre com sucesso; um pouco mais ao lado, a mobilizadora Maria Cachopa e as suas verduras, as melhores de todas as que por ali se vendiam; mais à frente, num dos corredores laterais, a Laurinha de Avintes e a sua broa inconfundível…

 

A pequena jornada que acabou de descrever fê-lo esquecer, ou, pelo menos, não lhe permitiu lembrar as lágrimas, os arranhões, as tristezas, as dores. Talvez outros percursos, outros lugares, perto ou longe, o ajudem a apagar (esquecer será possível?!...) as lembranças que lhe têm marcado duramente a existência nestes últimos anos. Há que descobrir! Apesar de tudo, acredita que, “embora o mundo esteja estranho, em algum lugar ainda existe amor” - autor desconhecido.  

 

“Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens.”

- Fernando Pessoa




terça-feira, 21 de maio de 2024


HISTÓRIA Nº. 116

 

“Agora sei: sou só. Eu e a minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão.”

- Clarice Lispector

 

Restava ainda alguma ingenuidade. Restava, disse bem, porque já não resta. Sentia-lhe já alguma fragilidade, mas entendeu conceder-lhe o benefício da dúvida. Durou, por isso, muito tempo, até mais do que determinadas idades consentem. Costuma esgotar-se bem mais cedo, normalmente na fase da vida em que se desperta do sonho e se encara a dura realidade. Mas o Alemão, contrariando a sua propensão pessimista, prolongou-lhe a vida, acreditando na pureza e consequente longevidade da nobreza de sentimentos que sempre tanto admirou. Tudo isto para dizer, definitivamente: “agora sei, sou só!”

 

Surpreende, certamente, o conteúdo do parágrafo anterior. Como quase sempre, intencionalmente pouco claro, deixa, todavia, entreaberta a porta reveladora pelo menos do ajustamento comportamental que ao Alemão faltava e que o tempo vivido há muito aconselha. “A gente cansa de tentar… de querer… de acreditar… aí chega um dia, que a gente finalmente cansa… de cansar!!!” - Maria Aparecia Francisquini.

 

Em dezembro de 2022, na História nº. 84, já explorava o tema: “A desumanização a que chegou a relação entre os homens, o impune espezinhamento dos valores morais sobre os quais tantos ergueram a sua vida e que agora assistem ao seu desmoronamento, a prática do “vale-tudo” no dia a dia onde solidariedade, honestidade, lealdade, respeito e verdade são agora, e já de algum tempo, meras palavras, deixam o Alemão em estado de desalento: o mundo está mesmo em destravada decadência… Há uma espécie de cansaço a sugerir adequado repouso. Por um tempo, por todo o tempo?...”

 

Na prática, que se veja, nada muda. Ocorre, sim, uma arrumação interior que pacifique o que ainda for a tempo de o ser. A agitação e agressividade do dia a dia num mundo em constante desassossego, a perda irrecuperável de valores tão ricos desde há muito transmitidos por homens simples, mas sãos, o desrespeito pelo sofrimento do próximo, tornam a vida pouco menos que suportável.

 

Não se trata de nenhuma desistência, mas sim de um reposicionamento pessoal que os amigos, os bons amigos, não deixarão de compreender. “Aliás – descubro eu agora - eu também não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria.” – Clarice Lispector.

 

Mas, apesar de tudo isto, o Alemão vai continuar por aí!...  

 

“Olhei uma foto minha e senti saudade do meu tempo de ingenuidade, saudade do tempo que eu acreditava cegamente nas pessoas.”

-Glauber Arikener 



    

segunda-feira, 29 de abril de 2024



HISTÓRIA Nº. 115

 

 

“Extraviou-se por desfiladeiros de neblina, por tempos reservados ao esquecimento, por labirintos de desilusão.”

- Gabriel Garcia Marquez, in Cem Anos de Solidão

 

 

Olhares muito curiosos procuram-no. Um recente desaparecimento intriga e suscita alguma natural especulação que, nem de perto nem de longe, descobre as razões da postura assumida. “Desfiladeiros de neblina, tempos reservados ao esquecimento, labirintos de desilusão”, escondem-no nos caminhos que percorre sem parar, nos quais exercita a paciência acumulada ao longo dos anos e lhe acrescenta um pouco mais a medida. “O tempo e a paciência são dois eternos beligerantes” - Leon Tolstói.

 

O Alemão não desapareceu, anda por aí. Calcorreia os caminhos da sua história, consome o tempo acompanhado das recordações que resgata ao adormecimento definitivo e que reaviva para sua satisfação. São lugares que só ele conhece e que, como sempre, visita sozinho. Lembranças que só ele sabe como e onde as conserva e preserva, longe da curiosidade alheia. Interessante é que, alguns dos personagens, ainda vivos, só desta forma os reencontra

 

Pacientemente, suporta com um sorriso que lhe chamem saudosista pela sublimação que faz daqueles tempos, dos bons tempos. Pessimista, é outro adjetivo com que o definem. Indiferente a essas qualificações e classificações concetuais, continuará a elevar bem alto o que o marcou indelevelmente. O Amanhã ainda tem muito a provar e o Hoje está à vista de todos!...   

 

Já agora, com um abraço sentido, do Alemão para os amigos: “Paciência não é passiva; pelo contrário, é ativa. É força concentrada.”

- Edward G. Bulwer-Lytton




 

 

domingo, 21 de abril de 2024



HISTÓRIA Nº. 114

 


“Se você não consegue entender o meu silêncio, de nada irá adiantar as palavras, pois é no silêncio das minhas palavras que estão todos os meus maiores sentimentos.”

- Oscar Wilde

 

 

Tantas vezes lhe seguraram a voz que acabaram por fazê-lo priorizar o silêncio sempre que teve de escolher entre o falar e o estar calado. E estar calado, quase sempre foi o melhor para si!... “Quando guri (criança), eu tinha de me calar à mesa: só as pessoas grandes falavam. Agora, depois de adulto, tenho de ficar calado para as crianças falarem” - Mário Quintana.

 

Desde muito cedo, o Alemão aprendeu as inúmeras linguagens da sobrevivência. E o que já viveu foi-lhe permitindo o aperfeiçoamento da sua colocação na vida, ajustando-se a cada época da forma mais adequada, não deixando nunca de proteger os seus maiores sentimentos.  Confessa, porém, que o mais recente ajustamento tem sido o mais difícil, pela dureza dos tempos de hoje que são muito mais exigentes do que outros pelo passado. Pena é que muitos ainda não tenham percebido o tipo de ajustamentos a fazer urgentemente…. Chegou-se a uma encruzilhada: não erremos o Caminho!    

 

Apontam o seu jeito de ser como exemplo a não seguir. Percebe perfeitamente o que sugerem os olhares que acompanham todos os passos que dá e as posições que assume. Alcança, também, a mensagem de muitos gestos subliminarmente dirigidos, sobretudo os travestidos de inocência, compreensão e bondade. Interpreta, ainda, os apartes arrogantes de quem acha ter desvendado o que nunca lhe foi revelado: os bem protegidos sentimentos do Alemão!...

 

“Sorrir, a segunda melhor coisa a se fazer com a boca. A primeira ainda continua sendo ficar calado” – autor desconhecido.





sexta-feira, 5 de abril de 2024



HISTÓRIA Nº. 113

 

 

“A solidão não é forçosamente negativa, pelo contrário, até me parece um privilégio. Talvez a minha solidão seja excessiva, mas eu detestei sempre as coisas mundanas. Estar com as pessoas apenas para gastar as horas é-me insuportável.”

- Eugénio de Andrade

 

 

Escasseiam à vista os lugares autenticamente tranquilos da vida. Difíceis de encontrar, não porque não existam, mas porque estão encobertos por um imenso manto de indiferença por parte de quem os não aprecia, admirando, por outro lado, a agitação deste tempo. Pesquisa perseverante do Alemão, levou-o ao encontro de esconderijos interessantes. Descobriu-os pacientemente no meio da solidão que tantos lhe censuram, mas que lhe tem dado condições saudáveis de não ver, de não ouvir, de não falar.

 

Aqueles espaços que privilegia, conserva-os irrevelados, inacessíveis. Desfruta-os longe de perturbações. Valioso património pessoal que o mantem distante da curiosidade de quem acredita tudo saber. Assim, procura manter o seu mundo cuidadosamente protegido, no meio deste mundo em acentuada e perigosa desconstrução. 

 

“O mal é a ausência do homem no homem” – Eugénio de Andrade. Melhor definição sobre a atual degradação da sociedade será difícil de encontrar. A irreprimível desumanização e o fluir de um rol de consequências imprevisíveis, mas inevitavelmente perversas, acentuam preocupantes egoísmos que, lamentavelmente, já se notam traduzidos na velha expressão: “salve-se quem puder”!

 

O Alemão termina esta metáfora com a palavra doce do poeta que admira e o inspirou nestes dizeres que, como todos os anteriores, dirige carinhosamente aos seu amigos, sem exceção: “Sê paciente, espera que a palavra amadureça e se desprenda como um fruto ao passar o vento que a mereça” - Eugénio de Andrade.

 



 

sábado, 30 de março de 2024



HISTÓRIA Nº. 112

 

Preocupa a incerteza…

 


“Tento concentrar-me numa daquelas sensações antigas como alegria ou fé ou esperança. Mas só fico aqui parado, sem sentir nada, sem pedir nada, sem querer nada”.

- Caio Fernando Abreu

 

 

Em raras aparições, têm-no visto ao longe, sempre bem acompanhado pela sua fiel solidão. Abúlico, desinteressado, distraído… Cansaço?!

 

Indescritível a parte do percurso a que chegou. Nuvens negras e baixas impedem o acesso da luz que sempre lhe mostrou claramente as definições do seu caminho e lhe assegurou a firmeza de cada passo dado. Prudentemente, fica parado até que, da vitória do Sol sobre tais espessas trevas, ressurjam “aquelas sensações antigas como alegria ou fé ou esperança” que por muitos anos lhe alimentaram o ser. Por ora, apenas espera: “sem sentir nada, sem pedir nada, sem querer nada”.

 

O Alemão sabe que é observado nas suas reações, simples ou complexas, ou até na ausência delas. Mas não o preocupa as conclusões erróneas a que chegam tantos olhares que não vêm, assim como inúmeras palavras falaciosas que nada dizem. Sustenta-se sofregamente do passado que tanto sublima e no qual foi formado.

 

Lamenta, sim, profundamente, a desvalorização de sãos princípios cuja perenidade ninguém deveria questionar. As mudanças a que assiste e as que se anunciam em nome de um avanço inevitável e que ninguém sustem, sacrificam no altar de interesses ainda pouco conhecidos valores sagrados que apoiaram a sua geração durante anos e anos. Preocupa a incerteza!  

 

“O que seria do ser humano se não fosse as lembranças saudosas dos bons tempos!” – Camila de Azevedo.



terça-feira, 19 de março de 2024

HISTÓRIA Nº.  111

 


O homem e os sonhos…

 


“Que o medo da solidão se afaste

E que o convívio comigo mesmo

Se torne ao menos suportável;

Que o espelho reflita em meu rosto

Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;

Porque metade de mim é a lembrança do que fui,

A outra metade eu não sei…”

 - Osvaldo Montenegro

 

 

Parafraseando o poeta Fernando Pessoa, mais precisamente Álvaro de Campos, seu heterónomo, o Alemão também “teve em si todos os sonhos do mundo”. Chegou mesmo a confessar, numa das suas primeiras Histórias aqui publicadas, que na adolescência “dormia para sonhar”, única via de acesso ao lugar virtual onde idealizava e construía os seus desejos, aquilo que mais pretendia para a sua vida. Mas já há muito que não dorme para não sonhar!...

 

Alguns daqueles sonhos materializaram-se e enriqueceram-lhe a vida; outros apenas alimentaram por um tempo expetativas que acabaram por se revelar frustradas. Nada que não tenha acontecido a tantos amigos que acompanham o Alemão nestas simples deambulações pela memória das “coisas” relacionadas com a existência humana.

   

Ultimamente, - talvez sinais de envelhecimento!? -, o Alemão percebe que quanto mais distante tenta projetar o olhar, menos alcança. O longe, que tantas vezes se fez perto, já não o atrai, nem um pouco. O mundo, o seu mundo, reduz-se a olhos vistos, enclausurando-o num espaço cada vez mais pequeno, mas que ainda lhe é suficiente. Os mares e os ares que em tempos cruzou já não lhe são apelativos, perderam a graça… A realidade atual desaconselha devaneios!

 

Chamaram-lhe “sonhador” na adolescência, “poeta” na juventude, “tristonho” na fase intermédia, “pensador” nos tempos atuais. Talvez amanhã os amigos lhe definam outro cognome…