segunda-feira, 31 de dezembro de 2018










HISTÓRIA Nº. 40




Até amanhã, se Deus quiser…




Nunca foi de muitas falas. Talvez por isso a impressão de permanente ausência. A sua liberdade de expressão, tão pouco utilizada, acresceu muito espaço à liberdade de expressão de outros que têm sempre muito a dizer e a perguntar. “O Alemão está por aí?”, a dúvida suscitada pelo seu silêncio. Estava. Sempre. Aliás, nunca deixou de estar. E de ver e perceber tudo à sua volta. Ontem como hoje. A idade ainda não prejudicou.


Os últimos tempos têm confirmado um mundo completamente ao contrário. De novo. Repete-se o ambiente milenar descrito em Eclesiastes, cap. 10; “Vi os servos a cavalo e os príncipes que andavam a pé como servos sobre a terra”. A perversão, inversão e destruição dos bons valores que ordenaram a vida ao longo de muitas gerações preocupa grandemente o Alemão. Futuro sombrio, prevê.


“Renove-se a esperança”, exortam os mais otimistas. “O amanhã trará tempos melhores”, profetizam os mais confiantes. E de mensagem em mensagem sustenta-se o adiamento da chegada daquilo que se espera… E o que será!?...  


Bom, assim como assim, esperemos… Até amanhã, se Deus quiser!






sexta-feira, 7 de dezembro de 2018











HISTÓRIA Nº. 39



Não adianta...



A propósito do título, contava o sábio José Nascimento, no século passado:

“Era uma vez… no tempo em que os comboios eram puxados por locomotivas a vapor. Inverno, tempo muito frio, carruagem velha, uma das janelas estranhamente baixada (aberta). O passageiro sentado à janela olhava tranquilamente a paisagem. Do exterior entrava um vento gelado e, quando da passagem de algum túnel, um fumo incomodativo provocava uma irritante tossiqueira coletiva. No início da viagem, uma ou outra reclamação, mais ou menos gentil, solicitou o fechamento da janela. Uma resposta serena daquele passageiro garantia: “num dianta”. A viagem prosseguia. À medida que os quilómetros avançavam crescia o tom das reclamações. “Que falta de respeito”, “que pouca vergonha”, “que falta de educação e de consideração”, “feche a janela seu mal-educado”, assim mimavam o homem que, no entender de todos, fazia ouvidos de mercador. Este, serenamente, insistia na resposta: ”num dianta”. A chegada salvadora do revisor trouxe a confiança na colocação da ordem e do respeito que aquela janela provocatoriamente aberta não permitia desde o início da viagem. Pediram a sua intervenção. Que não demorou. Primeiramente delicada: “não se importa de fazer o favor de fechar a janela?”, pediu. A resposta não tardou, também ela delicada, serena: “num dianta”. Perante tal resistência, insistiu o revisor: “Fecha ou não fecha o raio da janela?”, agora em tom encrespado e ameaçador. A resposta, no tom delicado e sereno de sempre, voltou a ser imediata… e igual: “num dianta”. Descontrolado, irado e muito perto de uma apoplexia, o funcionário anunciou: “vamos lá a ver se adianta ou não”, ao mesmo tempo que, curvado sobre o passageiro, pegou nas orelhas de cabedal da janela e a puxou para cima, para a fechar. Surpresa das surpresas: a janela não tinha vidro. O patético silêncio do revisor e dos demais passageiros curvou-se respeitosa e definitivamente perante a expressão sempre dita delicada, verdadeira e serenamente: “Num dianta”.

No momento, tantas situações relativamente às quais não haverá nada a fazer. Pretender corrigi-las é arriscar sofrimento inútil. Um estranhíssimo caos tomou conta do mundo. As palavras que apontam os caminhos da sensatez já não são ouvidas. Qual a solução? O Alemão não sabe qual seja, mas conhece quem a tem… Só Ele pode colocar o vidro na janela… e devolver o conforto a todos os que viajam nesta carruagem. Sobretudo de quem viaja no lugar junto à janela…





domingo, 25 de novembro de 2018











HISTÓRIA Nº. 38



Para onde caminha o mundo?...



Os olhos estão cheios de palavras que a boca já não consegue pronunciar. Perdeu a fala. Talvez por isso a visão seja agora mais apurada. E o que vê hoje em dia confirma o que previu há muitos anos para esta altura da vida: futuro preocupante, para além de verdadeiramente assustador. O Alemão observa e percebe que a torrente descontrolada da prática da vida humana nestes dias está a arrastar a sociedade para terrenos de consistência muito duvidosa, movediços. Para onde caminha o mundo?  

Uma anormal agitação energiza atualmente o homem na busca do que entende ser, agora, o melhor para si… desprezando totalmente o que já foi o melhor e está na génese da sua própria formação. Será necessário renegar o passado e o que ele significou?  Mas pensar nisso dá muito trabalho!... “Ah! Se o meu povo me tivesse ouvido!”

“O presente é bem melhor do que o passado”, sustenta a maioria. “O passado era melhor do que o presente”, defendem alguns. Magnânimo, um pequeno resto diz: “nem melhor nem pior, apenas diferente”. Ah! pois, diferente!... Lamentavelmente, até nos valores que em qualquer época da vida humana deveriam permanecer iguais…

“Junto aos rios de Babilónia nos assentamos e choramos, lembrando-nos de Sião”. Uma lágrima de saudade pelos valores perdidos…





segunda-feira, 12 de novembro de 2018




HISTÓRIA Nº. 37



A débacle…



Sensatez, moderação, solidariedade, respeito pelo próximo. Aplicações humanas desprezadas por quem só pressagia glórias para si. Já poucos as usam. Por inutilidade. Diz-se que os valores destes tempos são outros. Estultos e egoísticos suportes sustentam ambições cegas, por isso desmedidas, e cuja bondade justificam como sendo o conforto de realizações pessoais. Das suas. Justas glórias, apregoam. E que uma vez alcançadas alavancam outras, e outras, e outras, a ponto destas se prejudicarem entre si no prazer pessoal que libertam. O desaproveitamento da fartura!... O açambarcamento de glórias ou alegrias não permitidas a outros que, a seu juízo, não as saberiam valorizar!... Uma espécie de “cada um é para o que nasce”, sentenciam.


Alguém disse um dia que “os egoístas não sabem conversar; só falam de si próprios”. Em todas as áreas da vida, lamentavelmente. O mundo transformou-se num imenso palco onde desfilam sempre os mesmos atores, debitando repetidamente os mesmos discursos. A turba que assiste é o eterno figurante sem voz, sem força e sem presença…. Apenas com aplauso.


Nos últimos anos, o mundo sofreu uma guinada brusca na sua orientação, tendo mudado notoriamente a sua direção. Desvio que parece perigoso. Para onde vai, o Alemão não sabe, mas desconfia que seja uma direção definitiva e sem possibilidade de retorno. “Está instalado no quotidiano mais básico de qualquer ponto do globo um modelo de vale-tudo cada vez mais acentuado”, escrevia-lhe, há dias, o seu amigo Daniel. Melhor explicação?!...


A desumanização anda por aí!...






quinta-feira, 20 de setembro de 2018







HISTÓRIA SEM NÚMERO (…)



A celebração…



Sonhador, desde a adolescência. Como sonhou! Encontrava no sono os sonhos com que projetava a vida. Reconhece que, anos a fio, dormiu para sonhar. “Eles não sabem que o sonho é tela, é cor, é pincel. Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida. Eles não sabem nem sonham que o sonho comanda a vida.” (Pedra Filosofal, de António Gedeão).


O Alemão adora aquele monumento poético com o qual já concordou. Até que, num dado momento perdido no tempo, percebeu que não é o sonho que comanda, embora sendo uma constante da vida. Ilusões e mais ilusões foram tela, cor e pincel de uma obra que nunca apareceu... Há muito que o Alemão já não dorme para não sonhar. A vida é o que é ou o que tiver que ser. Frustrações, desgostos, contrariedades, desilusões, perdas. Mas também alegrias, muitas alegrias. A vida está na mão de Deus.


Neste dia que é mais um marco da sua História (esta sem número…), o Alemão olha o quadro que, fora dos sonhos, reproduz o seu Hoje depois de um já muito longo Ontem. Acima, a progenitora quase centenária. Ao lado, a mulher sofrida, mas valente, decidida, companheira fiel e leal há mais de 40 anos. A seguir, os três bons filhos. Depois, os quatro maravilhosos netos. Todos Lísias, filhos e netos. Lindos! E as noras queridas. Como a realidade superou o sonho que nunca tal favor Divino projetou! Neste seu dia, o Alemão celebra a Família.


O Alemão não esquece, também, os amigos. Sempre presentes nas horas boas e más. Com carinhosos gestos de apoio, com boas e sentidas palavras e, sobretudo, com a manifestação inequívoca dos seus mais nobres sentimentos, comandaram o comportamento do Alemão em muitos momentos da sua vida. Por isso, neste seu dia, o Alemão celebra também os seus amigos.



21. Setembro.2018





quarta-feira, 5 de setembro de 2018







HISTÓRIA Nº- 35



A saudade do regresso…



Setembro chegou. Para o Alemão, o Mês dos meses. Quente como todos os setembros que recorda. E são muitos. Foi sempre o seu mês de férias escolhido até que circunstâncias diversas e imperativas lhe prejudicaram essa preferência. Desde então tem perdido, ano após ano, o mais maravilhoso espetáculo da época: as vindimas. 


Terceira classe, com direito a confortáveis bancos de madeira, a viagem no ronceiro e já velho comboio até à Régua era uma agitada, mas deliciosa, aventura. A arrumação dos passageiros e das suas intermináveis e inenarráveis bagagens só se conseguia com a ajuda dos solavancos da traquitana em movimento. E havia animação. Em cada estação e apeadeiro (tantas paragens, meu Deus!...) não faltava o assédio gritado da venda direta “olh’ó o rebuçado da Régua” e “água fresquinha, quem quer água fresquinha? “ a provocar duras negociações entre compradores e vendedores. Nada que alguns tostões, poucos, não resolvessem… E porque a viagem era longa, uma espécie de serviço de bar à moda antiga abria logo à partida com a promessa de assim permanecer até à chegada. Condessas de verga alargavam generosa e gratuitamente as suas abas exibindo com orgulho uma variada gama de possibilidades gastronómicas. Sem faltar o fiel companheiro que dá de comer a um milhão de portugueses…


O fumo negro saído da máquina enfarruscava o mais atrevido passageiro. De vez em quando, os apitos histriónicos da locomotiva abriam caminho através da paisagem da região. Imponentes solares, vinhedos inconfundíveis… e, a partir de certa altura, a companhia constante do Rio Douro até à estação do Peso da Régua. Que não era, ainda, o fim da viagem. Essa terminaria algumas horas mais tarde, depois de percorridos 13 quilómetros por estrada rodoviária cheia de curvas e mais curvas, ao longo de uma das encostas durienses que levam até Vila Seca de Poiares. Dura subida que a velha carreira conhecia de cor e que cumpria já com sacrifício.


No ponto mais largo da aldeia a multidão regozijava: a cidade, acabava de chegar… Um ano depois da partida com lágrimas de tristeza, o regresso, também com lágrimas… mas de alegria. 




terça-feira, 21 de agosto de 2018









HISTÓRIA Nº. 34



A folha de papel em branco…



Companheira de muitos dias. Fiel folha de papel onde já não cabem mais palavras. Cheia de dizeres. Nas linhas e, sobretudo, nas entrelinhas. Documento precioso. Em branco, para os que a sabem ler… Palavras que, como o vento, se deslocam em diversas direções e fazem mover e desenvolver, em silêncio, sentimentos nem sempre bons, lamentavelmente. São como o vento que “assopra onde quer, e ouves a sua voz; mas não sabes donde vem, nem para onde vai” (João, 3-8).


O silêncio, sempre ele, “é um amigo que nunca trai”. Por isso é o elemento com maior presença no texto escrito naquela folha em branco. O Alemão prefere as palavras escritas às faladas. Disse o que pôde e o que quis àquela folha de papel em branco, fiel companheira de alguns dias. Paciente, gentil, tolerante, condescendente, amiga, respeitadora, leal, sigilosa, ela registou solenemente tudo o que ouviu. Sem esquecer uma só palavra…


A linguagem usada naquele longo texto revela um dialeto que o Alemão escolheu com algum cuidado por imaginar que poucos o entenderão. E embora pareça estranho, a verdade é que o Alemão já não quer ser compreendido… Sempre que o desejou, não foi feliz nos resultados!


Aquela folha de papel, cheia de tudo e de nada, tem sido a melhor companhia dos últimos tempos. Uma espécie de poço onde o Alemão lança os seus desabafos… sem o risco de lhe serem devolvidos com algumas estranhas distorções.


Como uma folha de papel em branco pode ser também uma grande amiga!...





sábado, 28 de julho de 2018










HISTÓRIA Nº. 33


Iniquidades...


O Alemão está cansado. Muito cansado. A paciência já não é o que era. Muitas vezes, substitui-a pela sujeição a um apertado controlo comportamental. Que desgasta imenso, por sinal. A sensatez da educação subordinada a um autismo arrogante de quem acha que pode tudo. Têm sempre razão. Podem tudo em nome de um estranhamente assumido merecimento… Os outros não existem. E se os deixam por momentos existir ou se os toleram, deles esperam sempre o sorriso aquiescente, a palavra humilde, o silêncio simpático…


O silêncio que a si mesmo impôs não é de todo pacífico. A força que o sustem e amordaça é segura. Tem vontade de gritar e denunciar as atuais injustiças observáveis a olho nu, por todo o lado. “Mas nem tudo se pode dizer”, aconselha-se… Egoísmos irritantes. Vaidades insuportáveis. Aproveitamentos revoltantes. E os outros?...


Estranho mundo este em que vivemos, cuja influência chegou às áreas mais bem protegidas da vida. Os muros construídos com tanto amor, dedicação, abnegação, entrega desinteressada e, muitas vezes, com grande sofrimento, estão enfraquecidos pela ação do tempo…


O Alemão recorda o clamor dos homens bons, lá pelos anos 60 e 70 do século passado. “O mundo está entrando…”, anunciavam de forma altissonante, vigorosa. Pensava-se ser aquela profecia uma referência à evolução, aliás, inevitável, da ciência e da tecnologia. Os ventos de modernidade que se aproximavam demoliriam aqueles ancestrais muros protetores erguidos com tanto sacrifício, previa-se. Mas o que tem vindo a entrar, e a destruir, conclui o Alemão, é a postura do Eu e dos seus inerentes interesses pessoais, que dispensam e desprezam a existência dos outros. Iniquidades. Até um dia…


“Por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará” (Jesus).





sábado, 30 de junho de 2018











HISTÓRIA Nº. 32


Aquele grito…


Não, nunca foi de confusões. Desde criança que vive a sua vida sem grandes companhias. Foi sempre assim. Vida que não escolheu (haverá quem o faça?...), mas à qual se entregou sem reservas. Sem queixumes. Apaixonada e dedicadamente.  Sempre. Em tudo o que fez. Até “mais do que prometia a força humana”, perdoe-me o inefável Camões a referência. Num estilo de vida mais ou menos contido. Sem grande “barulho” …  Cansado, o Alemão confere hoje tudo isto e percebe o que está a acontecer.  Não estranha, por isso, o crescente aumento do espaço que o distancia do resto, ou isola (!?...), cada vez mais…


Na adolescência “alguém” profetizou acerca do seu matrimónio. Um quadro idílico: os noivos sentados num banco de jardim e crianças brincando-correndo em volta, felizes. Alguns dirão:” profecia de resultado quase garantido! Alegria e felicidade normais na relação pais-filhos”. Seja, mas aconteceu! E aconteceu muito mais: depois dos filhos, os netos, lindos netos! Todavia, a beleza daquele quadro não beliscou a sua dedicação. A propósito, há muitos anos, recorda o Alemão o grito do filho mais velho, na altura o único, pedindo: “Pai, fica em casa hoje…”. O Alemão não ficou porque não podia…


O olhar que o Alemão lança sobre o mundo de hoje não é de grande apreço. Pelo contrário.  Em sua opinião, o mundo está pobre e caminha para a miséria. Os valores eminentemente humanos escasseiam, por mais que proclamem a sua existência. Promessas e mais promessas.  Há quem chame a isto evolução, mudança. E quem não o perceber e acompanhar, diz-se, perderá a carruagem do futuro já em andamento.



O Alemão está a ficar para trás!...







domingo, 24 de junho de 2018










HISTÓRIA Nº. 31


A encruzilhada…


Esse dia haveria de chegar, desconfiava.  Os sinais anunciavam-no. Daí os avisos e mais avisos. Os conselhos e mais conselhos. E toda a sua força concentrada na certeza da direção. Uma única direção. Tudo fez para impedir a chegada de um dos piores e mais difíceis momentos da vida. Mas todos aqueles esforços foram desconsiderados. E o pior é que, agora, talvez seja tarde. Chegou-se a uma encruzilhada.

O Alemão está desiludido. Ao longo da vida, fez o que pôde… e já não pode muito mais. Os acontecimentos dos últimos tempos, e foram muitos, gastaram-lhe o que restava das suas energias. Já não reage, ou reage pouco. As exigências feitas continuam a conferir-lhe obrigações a que já tem dificuldade em responder. Curiosamente, obrigações que só ele deve cumprir prontamente... Os outros, esses, usam e abusam disso. Sempre que lhes apetece. E nem sempre lhes apetece…. “O farol tem de estar sempre no seu lugar; os navios passam quando tiverem de passar… e não o dispensam”. Justo?!

Estranhamente, as soluções que a encruzilhada sugere têm muitos caminhantes. Uma espécie de “qualquer caminho vai dar a …”. Que pena que, nestes tempos em que o tráfego rodoviário, por exemplo, obedece escrupulosamente às indicações que atualíssimos elementos de orientação lhe facultam apontando a direção certa (só erra quem quer), caminhos mais altos sejam escolhidos e percorridos de acordo com interesses meramente pessoais!…

O Alemão tem esperança de ver, em breve, junto a cada solução que parte desta encruzilhada, sinais indicativos do destino a que cada um desses caminhos conduz. Que todos amem o CAMINHO!  

Deus se lembre de nós!...





domingo, 10 de junho de 2018






HISTÓRIA Nº. 30



O Futuro…



Olhar o Futuro. Teses e mais teses. Estudos e mais estudos. Previsões a curto e a longo prazo. Certezas, até!... Irritantes discussões onde, amiúde, o tom de voz denuncia a existência de ódios entre os contendores. Preocupados com o futuro dos outros ou com as suas próprias intenções de futuro… a pensar em si mesmos? Diz-se, “da discussão nasce a luz” … Mas quanta escuridão! Horas e horas a fio, debates (ou combates…) repetidos até à exaustão. Visões próximas, visões antagónicas. Todas egoístas. Assim, até o próprio Futuro tem dúvidas. Pobre amanhã!...


O Alemão, viciado em jornais (quase 40 anos de trabalho nesse sector), cansou-se de os ler. Já aposentado, continuava a comprá-los diariamente. Até que, não vai há muito, deixou de o fazer. E não lhes sente a falta. Os conteúdos, mais do que nunca, servem tendências-clientelas e resultam de censuráveis interesses pessoais. Raramente esclarecem com honestidade. Antes pelo contrário. Que estranhíssima legitimidade lhes autoriza tamanha proclamação das suas próprias verdades relativamente ao Futuro?...


O Alemão desconfia da sinceridade de tanta discussão. Parece-lhe mais uma feira de vaidades em que cada um procura mostrar-se mais entendido do que os outros na fundamentação e construção das suas previsões. O Futuro é o momento seguinte dos vivos. De todos os vivos!... Como alguém disse: “o Futuro sempre está começando agora!”. E desse momento sempre a começar quem cuida? Os iluminados? Os pseudo - preocupados com a humanidade?


“Não vos inquietais, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal” (Mateus, 6-34). Há cerca de dois mil anos atrás já “Alguém” sabia do que falava relativamente ao Futuro!...






segunda-feira, 4 de junho de 2018









HISTÓRIA Nº. 29


Quietude…


Última quarta-feira de Maio de 2018. Meio da tarde. S. Leonardo, Galafura. 640 metros acima do nível do mar. O marco geodésico junto da capela atesta ser esta a maior altitude das redondezas. Ao fundo, o Doiro. Quieto como da última vez. Será que se mexeu neste intervalo de alguns meses?  A quietude que promove a paz. A lembrar o eterno poeta destes lugares, Miguel Torga:



QUIETUDE


Que poema de paz agora me apetece!
Sereno,
Transparente,
A sugerir somente
Um rio já cansado de correr,
Um doce entardecer,
Um fim de sementeira.
Versos como cordeiros a pastar,
Sem o meu nome, em baixo, a recordar
Os outros que cantei a vida inteira.

In "Diário XIII"

O Alemão tem este lugar como um verdadeiro santuário de paz. Visita-o sempre que passa por perto. Como agora sucedeu. Para um banho de natureza. Sozinho. Sem ninguém a espiar-lhe os movimentos. “Haja paz desde os céus!”

Apenas uma vez por ano aquela paz é perturbada. No dia dedicado ao padroeiro, em finais de Agosto. A propósito, o Alemão lembra-se de numas férias de verão, há muitos anos, visitar o lugar-miradoiro num desses dias de festa. Tinha ainda o velho “carocha” beije, tampa do motor ligeiramente aberta por causa do aquecimento… e que lhe dava um certo ar!... No parque das merendas e um pouco por todo o lado, nas encostas, os romeiros exibiam (e comiam) os seus gordurosos e fartos farnéis. Borrego e cabrito assados, mais o inevitável arroz de forno, eram os Reis da festa. No ar o cheiro forte daquelas carnes assadas impressionava as narinas de quem não estava acostumado àqueles petiscos. Nos rostos o brilho avermelhado dos néctares da região prometia muito até à noitinha. Foguetes precediam a procissão que subia lentamente em direção ao ponto mais alto, acompanhada por uma banda filarmónica já muito pouco alinhada… na farda e nos passos. Culpa do calor!... Para trás ficara um trombonista que resistentemente tocou “puá…  puá… puá…”, até cair, redondo como um tordo, sobre o "carocha", respeitosamente acostado, e exatamente sobre a tampa ligeiramente aberta e que lhe dava um certo ar!... Que agitação num só dia!

O Alemão gostaria de viver mais perto daquele miradoiro tão sublimado por Torga. Ali, apenas uma vez por ano há agitação. Todos os outros dias são de paz!...






domingo, 20 de maio de 2018













HISTÓRIA Nº. 28



A realidade confirma a perspetiva…



O caminho da vida vai ficando cada vez mais estreito. O tempo passa. Sempre foi assim… e sempre assim será. Destino inexorável, no dizer de um bom amigo e homem de Deus já há muito desaparecido. A realidade confirma a perspetiva. E porque a largura diminui são cada vez menos os viandantes caminhando lado a lado. A entreajuda desvanece-se. Quanto mais se avança, menos companhias... menos companheiros. O funil aperta. A solidão à espera. De todos!...

As transformações na sociedade são notórias. Os tempos atuais certificam que um novo estilo de vida veio para ficar. Indiscutível e imparável. Goste-se ou não. O Alemão compreende, mas não deixa de viver preocupado e triste com o que vê (ou não vê!...). Só não opina por entender que não vale a pena. Seria mais uma voz a clamar no deserto. Em vão. O que escreve são meros desabafos. No limite, e quanto ao seu mundo, são dores de alma, mágoas exacerbadas, gritos de impotência. Relatos do que observa do alto do seu posto de observação onde subiu. E por lá ficou…

Há dias, poucos, numa das grandes cidades do nosso País, no fim de tarde de uma sexta-feira, a uma distância segura, o Alemão apreciava o movimento quase assustador das multidões. Circulação nervosa, rua abaixo-rua acima, smartphones numa mão, pequenas malas de viagem puxadas pela outra (mais o irritável som-gemido das rodinhas…). Que confusão! Mais, riscos de atropelamento. Mundo completamente distraído e egoisticamente separado do que é essencial na relação entre os homens. Na mesma altura, em outras zonas dessa mesma cidade, o Alemão sabia da existência de discussões e mais discussões que, como em tantos outros momentos, não levariam, como não levaram, a nada. Preocupações, sinceras ou não, que os nossos antepassados classificariam de “muita parra e pouca uva”. Coitado de quem precisa!...

Mundo em transformação. Gente e mais gente em movimento. Mas, perdoem o desabafo do Alemão: nunca tantos foram (têm sido) tão poucos!...





sexta-feira, 20 de abril de 2018




HISTÓRIA Nº. 27



O descanso do Alemão…



Chegou finalmente o calor! Ansiosamente aguardado, diga-se. Depois de meses e meses de maior recolhimento doméstico por causa do frio e da chuva, a situação mudou. A baixa da cidade confirma-o. E os sinais são diversos. A mudança do traje pesado para o mais leve, leve…  As esplanadas a abarrotarem de gente. As escapadinhas que muitos aproveitam e bem. A alegria voltou para muitos. A vida são dois dias…. Viva o Sol! Viva a Liberdade! Viva a Vida!


Do lugar de onde observa o dia a dia, à distância, o Alemão acompanha toda esta agitação temporal e tenta perceber porque será que as esplanadas e as escapadinhas já não o seduzem. Num tempo em que tanto se aconselha a convivência e a proximidade entre as pessoas, o Alemão percebe, com tristeza, que caminha em sentido contrário. Velhice precoce? Deceções? Desconfianças? Incompreensões? Cansaço?...  


O Alemão sempre foi reservado. Tímido e de poucas palavras, foi suportando as investidas da vida sem grandes cuidados defensivos. Tudo boa gente, pensava. E mesmo quando alguém o magoava, não respondia pelo receio de ofender....  Consolidada desta forma a sua personalidade, já não vai a tempo de a mudar.  Tem vindo a colecionar experiências que, na fase da vida em que se encontra, lhe recomendam um determinado e inevitável caminho 


Deve ser cansaço, sim, muito cansaço acumulado, concluiu o Alemão. Não no corpo, até porque não cumpre os conselhos de atividade física que alguns experts lhe recomendam. E, sempre que pode, não dispensa a sesta após o almoço que aprendeu e apreendeu a partir da aposentação. Será então na alma? Ou no espírito? As áreas interrogadas o Alemão não se atreve a tentar sequer analisá-las. Pelo menos por agora. Embora perceba que é por aí que se esconde e manifesta o cansaço que o assola. Chegado aqui, não tem dúvidas de que precisa dar descanso ao que, dentro de si, dele tanto precisa. E o Alemão sabe onde O encontrar…    











sexta-feira, 6 de abril de 2018





HISTÓRIA Nº. 26



O barulho do mundo…



“Não deixe que o barulho do mundo atrapalhe o som da voz de Deus”. Mensagem, a primeira, recebida no dia de hoje. Linda. Oportuna. Chegou antecedida do toque-aviso mais suave ativado no seu simples smartphone. Os barulhos evita-os, sempre que pode. O Alemão estranha que, com o avançar dos anos e ao contrário do que é natural, estejam mais apurados os seus sentidos. Sobretudo a audição…


Há muitos anos, trabalhador, músico e estudante, aconselharam-no em alta voz, no meio de muitas pessoas: “Alemão, cuidado com a cultura”. Registou. Sem perceber. Cursava o humilde secundário com a esperança de aceder ao superior. O que felizmente aconteceu e lhe permitiu uma simples licenciatura cuja utilidade ainda hoje não percebeu. Pretenderia tal conselho preveni-lo contra o barulho que a cultura pudesse vir a provocar na sua vida ao ponto de “atrapalhar o som da voz de Deus” que sempre soube distinguir nos mais diversos ambientes? O Alemão atravessou na vida “regiões” muito ruidosas. Mas, até hoje, em nenhuma sentiu atrapalhado o som da Voz que o tem guiado.


O Alemão, humilde e medianamente culto, acha que muito do barulho do mundo é fruto da ignorância travestida de conhecimento. Também do egoísmo e da ambição desmedida. Tanta falsa sabedoria. Tanto convencimento. Tanto interesseirismo. O ruído irritante de quem domina, ou acha que domina, sobre tudo o que gira à sua volta ultrapassa, de longe, os decibéis que uma boa dose de sensatez deveria permitir. Tanto barulho-loucura. Tanto barulho-ambição. Tanto barulho-imposição de ideias.  Tanto barulho-poder. Tanto barulho-arrogância. Tanto barulho-folclore. Tanta gritaria. E afinal, tudo passa, tudo passará!...


Quanto ao barulho que o mundo faz, nada a fazer. Ou melhor, talvez tentar vencê-lo. A partir duma maior concentração-atenção no som da voz de Deus. O Alemão acredita que, desta forma, aquele barulho deixará de incomodar…





sexta-feira, 30 de março de 2018






HISTÓRIA Nº. 25



Haja paciência…



Ter aguentado até agora já é um milagre! Exclamou o bom do Daniel a propósito da paciência que o Alemão disse já não ter, ou ter muito pouca. Amigo de algumas décadas, conhecedor de alguns dos mais marcantes acontecimentos da vida do Alemão, ele, o amigo Daniel, sabe do que fala. O Alemão ficou a pensar!... Tristes recordações!...

Tantas e tantas vezes lhe pediram, ou exigiram, “tenha paciência” … Unilateralmente. Os outros sempre os eternos beneficiários de tão preciosa virtude. Perante a ofensa, tenha paciência. Perante a afirmação mentirosa, tenha paciência. Perante a exploração, tenha paciência. Perante a deturpação de factos e a criação de falsas versões da realidade, tenha paciência. Perante o prejuízo material e de outra ordem, tenha paciência. Perante a hipocrisia, tenha paciência. Perante o desrespeito, tenha paciência. Curiosamente, a paciência parecia ter só um sentido... sempre pedida apenas a um dos lados para proteção do outro. Paciência paralisadora. Talvez, até, injusta. Não seria mais um pedido de “deixe para lá”?...  Uma espécie de preço a pagar pela paz?... Seria isto paciência? Ou resignação, como alguém lhe chamou?... Sim, talvez resignação.

Há quem considere ser a paciência a “disposição constante do espírito que nos induz a exercer o bem e evitar o mal” (Dicionário Priberam). Mas não estará a paciência, a verdadeira, a virtuosa mais ligada ao tempo?  Não será porventura, como alguém a interpretou, “o intervalo entre a semente e a flor” (Ana Jácomo)? O Alemão lembra-se de inúmeros momentos de dor e de lágrimas em tantos intervalos - tempos da vida que, parecendo intermináveis, chegaram ao fim. A flor nasceu! O intervalo-paciência foi carinhosa e constantemente regado pela água-esperança que foi caindo do Céu…

Haja paciência, o tal intervalo entre a semente e a flor!...





terça-feira, 27 de março de 2018




 




HISTÓRIA Nº. 24


A gente percebe…



A gente percebe. Lamentavelmente, percebe-se que acham que a gente não percebe. A quase bondade no olhar. A quase pureza nas palavras. A quase preocupação nos gestos. A quase sinceridade nas discussões e consequentes decisões, já previamente concebidas.  A quase transparência nas sugestões sobre as mais diversas situações. A gente percebe os quase tudo  em tudo. A gente percebe que os quase tudo são nada. Mas pretende-se dar a ideia de que são muito. O Alemão está cansado deste mundo dos quase. Percebe que as aparências não são o resultado do que verdadeiramente é sentido. Nem sequer o são quase“Não há mal que sempre dure”, diz o nosso povo do alto da sua sabedoria. Está quase a passar, deseja-se. Mas o Alemão percebe que o mundo tomou o caminho dos quase onde sobreviver acabará por merecer, em breve, o estatuto de missão quase impossível. 

A gente percebe que até a Primavera é apenas quase Primavera. As flores não aparecem. As árvores não se vestem. Os pássaros não cantam. O tempo não ameniza. Mas há quem preveja que o bom tempo está quase a chegar…  

A propósito. Imagem dos bons amigos, companheiro indefetível de todas as horas, o Chiquinho II, canário que a amiga Conceição lhe ofereceu em substituição do Chiquinho I que a idade levou, canta em qualquer situação. No escritório doméstico do Alemão, canta vivamente até que a voz lhe doa, como diz o poeta. Das 7 da manhã, tipo despertador, até ao final do dia. Não é o canto desesperado do rouxinol, Alma Perdida, de Florbela Espanca, não. É o canto límpido e decidido, mas doce, de quem não é quase companheiro. É talvez o canto de alguém que faz questão de lembrar que está por perto… O Alemão gostaria de conhecer a letra desta canção!...