quinta-feira, 29 de dezembro de 2022



 HISTÓRIA Nº. 84

 

“Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo.”

Fernando Pessoa

 

Oitenta e quatro pequenos conjuntos de palavras ao longo de quase seis anos são uma boa parte dele mesmo, são uma boa parte do Alemão. Mas questiona-se hoje, perante tantas incertezas, se deverá continuar a derramar-se nas virtuais folhas de papel em branco que repousam sobre a sua velha secretária de madeira e o desafiam vivamente a não deixar de o fazer. “É que ainda tem muitas palavras que silencia”, dizem os simples papéis!... O futuro a Deus pertence. Veremos!

 

A desumanidade a que chegou o relacionamento entre os homens, o impune espezinhamento dos valores morais sobre os quais tantos ergueram a sua vida e que agora assistem ao seu desmoronamento, a prática do “vale-tudo” no dia a dia onde solidariedade, honestidade, lealdade, respeito e verdade são agora, e já de algum tempo, meras palavras, deixam o Alemão em estado de desalento: o mundo está mesmo em destravada decadência…

 

Há uma espécie de cansaço a sugerir adequado repouso. Por um tempo, por todo o tempo?...

 

Apesar de tudo, meus amigos, um Bom 2023!...

 

“O SENHOR SOBRE TI LEVANTE O SEU ROSTO E TE DÊ A PAZ”, Números 6-26



 

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

 



HISTÓRIA Nº. 83

 

“Tudo acaba, mas o que te escrevo continua.

O melhor está nas entrelinhas.”

- Clarice Lispector

 

No começo deste século, quando sobre si se abateu uma das situações mais duras da vida, despertou para as mudanças resultantes de “novos ventos” que sopravam fortemente sobre o mundo de então. Reconheceu um pouco depois que, alguns anos antes, já uma “brisa” mais ou menos leve prenunciava duras tempestades. Atualmente são abundantes as notícias reveladoras de como em tão pouco tempo tanta coisa mudou: “… fecha estas palavras e sela este livro, até ao fim do tempo: muitos correrão de uma parte para a outra e a ciência se multiplicará (Daniel, 12)”. E só Deus sabe até onde essa profecia e outras semelhantes levarão a geração atual e as próximas!...

 

A verdade é que o mundo já dá sinais de enorme “desagrado”!... Mas no momento, o grande desafio é como sobreviver ao turbilhão das novas ideias que, por isso mesmo, por serem novas, dispensam alguns dos principais valores que enobreceram a maior parte dos anos de vida das gerações que agora se esgotam. Inutilidades, dizem!...

 

O silêncio tem sido uma ajuda preciosa na defesa da paz, mas começa a ser insuficiente…

 

O Alemão espera ver os amigos rapidamente renovados no seu ânimo, citando Neemias, 8-10:” portanto não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é a vossa força”.



segunda-feira, 19 de dezembro de 2022



 


HISTÓRIA Nº. 82

 

 

Deus vos abençoe, meus amigos…

 

 

Época do ano altamente sensibilizadora. Ganham honras de primeiras páginas ou de prime time as necessidades e pobrezas dos menos protegidos, consequências das dificuldades do dia a dia acrescidas das despesas “normais” de quem pretende alcançar, no momento, o que sempre custou mais… Peditórios e mais peditórios, generosidade ou caridadezinha, sucedem-se. Ano após ano, sempre assim! O “Alemão” não se debruça sobre matérias que estão para além do seu conhecimento e do que outros entendem sobre isto. E há sempre quem entenda muito!...  Compreende e aceita sem reservas. Sempre foi assim!...

 

Meados do século passado, ainda criança, tempo de férias escolares, quinze dias, passava-as sozinho enquanto a mãe trabalhava para o sustento da casa (ou do pequeno quarto…). Sentado, horas e horas, no portal do 29 da Rua das Taipas, olhava o movimento. Talvez aí, lembrou agora, a origem da observação que ainda hoje melhor o carateriza. Só quem por lá passou faz ideia do movimento que então fervilhava naquela histórica rua. A Alicinha peixeira, à entrada da Rua da Vitória, dominava o espaço e procurava vender todo o seu produto nem que fosse até à meia-noite... Admirável senhora, que amava, confessa, mas cujo abraço evitava por questões olfativas…  Sobrava sempre algum pescado, quase sempre sardinhas, que dividia com a casa da irmã Celeste. A Alice peixeira, mulher “monumental”, boa irmã!

 

Ao lado, a irmã Isaura e o marido, o senhor Almeida, no pequeno quiosque que os alimentou a vida toda e a partir do qual sempre ajudaram a família e uns quantos amigos e irmãos. E a irmã Emília e o seu marido o senhor Álvaro, logo a seguir, que desenvolviam um pequeno negócio de peças ornamentais, que os sustentava a si e ao filho, hoje médico conceituado, e que lhes permitia ainda ajudar a muitos irmãos.

 

Gente boa, crentes em Deus, disponíveis quanto à caridade em qualquer altura do ano. Chegada a hora do culto, no Bonjardim, percorriam os caminhos, quarenta e cinco minutos a pé, em pequeno mas animado grupo, com chuva ou com sol, transbordando de alegria, sem queixumes! “Alegrei-me quando me disseram, vamos à casa do Senhor”. Que saudades, meu Deus!

 

Anos sessenta, século passado, fim de um dia, regressava a mãe do seu trabalho. O Alemão olhava-a com ansiedade desde o cimo da rua até que chegava à porta de casa. Qual seria o jantar daquela noite? Ele sabia que na sacola que ela transportava vinha o alimento principal daquele dia: o que havia sobejado do almoço dos patrões. Mas, surpresa das surpresas, o que chegara, nem a pobre mãe sabia, não lhe era permitido comer... A sua consciência confirmou-lho. E o seu temor foi superior à vontade de transgredir. Estômago vazio. Dormiu, tranquilo! Dormiu em paz! Dormiu com Deus!...

 

O Alemão tem percebido alguma movimentação sobre os dias que vivemos. Que aceita, é o mundo, é a vida! Só tem alguma dificuldade em perceber o tipo de reclamação que se faz quando se comparam as situações  do passado com as vicissitudes do tempo presente. A vida do homem sempre se desenvolveu através de altos e baixos… Todos falam de si, legitimamente. E os outros?...

 

No dia 1 de janeiro de 2023, quase a chegar, possivelmente manifestaremos vivamente o desejo de que Deus continue a ser a nossa proteção.

 

Deus vos abençoe, meus amigos!





sexta-feira, 9 de dezembro de 2022




HISTÓRIA Nº. 81

 

A sinceridade é intemporal…

 

Há cinco anos apareceu por aqui um tal comedor de fanecas da pedra, as melhores segundo o tio Zé (ver nº. 1), pretenso contador de histórias, muitas delas meros desabafos de um ser solitário e que os amigos têm vindo gentilmente a seguir. “Que é feito do Alemão?”, perguntam frequentemente. Ei-lo que passa por aqui neste dia!

 

O Alemão tem-se acabado muito nestes últimos tempos. Cada vez menos um ser sociável por incompatibilidade com os tempos atuais, tem-se distanciado cada vez mais do mundo, recriando constantemente o seu modo de viver, no sentido de o tornar mais cómodo para si e mais invisível para os outros.

 

Uma vez ou outra, não deixa de o surpreender os assomos de uns quantos que, pelos vistos, consideram o seu notório envelhecimento como incapacidade de discernir e perceber claramente segundos intentos. Mas curvas e contracurvas conhece-as bem! Há muito que circula por autoestradas… sem pedágio!

 

Foram muitos anos a percorrer, em silêncio, estradas cujas dificuldades as tornaram pouco menos que longos percursos, intermináveis. Pacientemente, sempre calando o seu parecer que tem sujeitado ao dos mais inteligentes, tem-se permitido cumprir alguns desses caminhos apontados por quem se acha mais conhecedor das estradas da vida. No fim, mais quilómetros, mais curvas e contracurvas, mais enjoos!...  Se possível, experiências a não repetir!

 

A sinceridade é intemporal!



terça-feira, 18 de outubro de 2022


 HISTÓRIA Nº. 80

 

O mundo está mesmo diferente…

 

Nem melhor nem pior, diferente. Simpática e salomónica apreciação, politicamente correta, como atualmente se diz, a respeito do mundo em que vivemos.

 

Numa vida em movimento intravável, modo “sensação vertiginosa” ativado, em pouco tempo a constatação de como já se está bem longe do começo (parece que foi ontem…) e do que naturalmente se esgotou e já não faz parte do conteúdo da velha e fiel mala de viagem, companheira de todas as horas, cada vez mais vazia. E tão perto da linha do horizonte que se pensava inatingível….

 

Já viveu muito mais do que tem para viver - verdade inquestionável.  “Mas não é tempo de olhar para trás e o essencial está conseguido, no seu caso: um caminho, uma outra via, uma geração diferente”, escreveu-lhe, há dias, um amigo de sempre e que, mais uma vez atento, lhe descobriu os seus pensamentos mais profundos acerca do Tempo e do Homem… O Alemão agradeceu o conforto daquelas palavras, embora continue preocupado!

 

Não, não é nenhum complexo associado ao avanço da idade, descansem os amigos. É, sim, uma dor aguda e persistente, pela perda de valores que o acompanharam uma vida inteira e que se esgotaram paulatinamente até ao seu desuso. O Alemão sabe que o que tinha para fazer praticamente está feito. Agora, os tempos são outros, perdão, diferentes…

 

O mundo está mesmo diferente!...





terça-feira, 20 de setembro de 2022


 

HISTÓRIA Nº. 79


O Pensador...

 

“Eu estava dormindo e me acordaram

E me encontrei, assim, num mundo estranho e louco…

E quando eu começava a compreendê-lo um pouco,

Já eram horas de dormir de novo!” (Mário Quintana)

 

Agora, “anda devagar porque já teve pressa”. O cansaço chegou finalmente e quebrou-lhe de vez o ritmo que, desde há algum tempo, dava já sinais de cedência. A correria entusiasmada ao longo de muitos anos deu lugar agora a um novo modus de caminhar: o passo lento. Aquela, a correria entusiasmada, terá prejudicado a devida apreciação de uma boa parte do caminho vencido. Este, o passo lento, concede a vantagem de atrasar a vida e permitir mais clara e mais bem definida a observação de cada detalhe. Parece, todavia, tardia, uma vez que já não altera nada. Duas fases da vida com o deve e o haver ainda por avaliar. E valerá a pena fazê-lo? O que se terá perdido?  O que se terá deixado de ganhar?....

 

Pensativo, mais do que noutros tempos, o Alemão procura perceber o que o rodeia, na esperança de descobrir o que ainda venha a tempo de lhe sossegar o espírito. Não, não são dúvidas existenciais que o atormentam, mas sim o ter cada vez menos certezas em cada dia que se esgota, sem sentido, no ponto mais estreito da ampulheta imparável da vida. Neste mundo “estranho e louco” onde se encontra...

 

“Sonhador” na adolescência”, “poeta” na juventude, “tristonho” na fase intermédia, “pensador” nos tempos atuais. Talvez amanhã os amigos lhe definam outro cognome…

 

Antes que sejam “horas de dormir de novo!”



domingo, 21 de agosto de 2022




HISTÓRIA Nº. 78

 

É que a vida cansa!

 

Em pousio, a ver apenas crescer ervas daninhas nos canteiros do espírito que costumo trazer granjeados. Mas tenho épocas assim, em que só me apetece ser estúpido como a vida” – Miguel Torga, Diário XV.

 

Quando consegue algum tempo livre, nem que seja por breves minutos, o Alemão lê um pouco de algum dos escritos de Miguel Torga, figura maior da literatura portuguesa com quem mais se identifica.  A proximidade geográfica das suas origens, S. Martinho de Anta e Vila Seca de Poiares, o S. Leonardo de Galafura “À proa de um navio de penedos”, o Doiro Sublimado consagrando “O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à força de se desmedir”, lido e relido dezenas e dezenas de vezes, com o Marão altaneiro a vigiar toda esta grandiosidade, criaram entre si uma indelével afinidade. O Alemão aprecia-lhe, ainda, a nobreza de caráter percetível em toda a sua Obra.

 

Calcorreando os já longos caminhos do tempo, o Alemão conheceu momentos do percurso já cumprido verdadeiramente enriquecedores, de beleza inigualável e inesquecível, bem como outros de enormes dificuldades, espinhosos, escabrosos, de feiura assustadora.  Ambos lhe talharam a sua personalidade. Afinal, são os altos e baixos da vida, como sempre ouviu dizer a propósito da alternância das “paisagens” opostas que ia contemplando, com a ideia de que tal movimento se devia à vida em si mesma e não à influência de agentes promotores de cada um deles…

 

Quantas dúvidas se permitiu perante quadros inesperados por inadmissíveis na vivência do dia a dia. Desilusões e deceções capazes de produzir matéria dispensável ao são desenvolvimento dos bons sentimentos que pretende manter desde que os alcançou. E como tem desejado juntar àqueles outros tão ou ainda mais nobres expostos na galeria quase inacessível dos bens de incalculável valor, por isso raros, da existência humana!

 

Tanto lutou por trazer granjeados os canteiros do espírito. Agora, está em pousio.... a ver apenas crescer ervas daninhas. É que a vida cansa! 





sábado, 28 de maio de 2022



 HISTÓRIA Nº. 77

 

Pelos empedrados da vida…

 

“Porque andei sempre pelos meus pés doeu-me às vezes viver” (Mia Couto).

 

Até quando?!

 

 Passo a passo, lentamente, abúlico ou indiferente, distraído até, o Alemão sobrevive caminhando pelos empedrados da vida sobre os quais vai deixando o que lhe resta da sua energia. Por vezes, em raros momentos de atenção, ainda capta alguns movimentos dos atuais influencers e inteligentes deste mundo: apontam para generosos propósitos – solidariedade, por exemplo, mas percebe-se a acentuação de caminhos opostos: o egoísmo e a separação entre os homens.

 

A longa ausência deste reduto-pesqueiro sagrado (Faneca da Pedra) para onde, de vez em quando, convoca os seus amigos-leitores, explica-a o Alemão pela inexistência de palavras ou pelo excesso delas face aos surpreendentes acontecimentos dos últimos tempos. A consciência pesa e avalia; a sensatez decide pelo resultado. “Não digas nada! Nem mesmo a verdade, Há tanta suavidade em nada se dizer, E tudo se entender (Fernando Pessoa) …”

 

O assumido recolhimento do Alemão aguçou-lhe o lado observador que lhe faltou em muitos momentos da vida e que agora desaproveita. Porque é tarde!... Foi-se a vivacidade de outros tempos. Esgotou-se o ânimo que lhe agitava a vida. Uma estranha e pesada atmosfera empesta o ar tornando-o quase irrespirável. Indefiníveis e muito perturbadores sentimentos assumiram o protagonismo no mundo, no nosso mundo…

 

Mas como entoaremos o cântico do Senhor em terra estranha? (Salmo 137,4). 





quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022





HISTÓRIA Nº. 76

 

Para onde corre o mundo, o nosso mundo?...

 

“Muito do que edificámos está a esboroar-se, falta sabedoria”, notou há dias um bom amigo que acrescentou ainda “há risco de derrocada”. O Alemão concorda e lamenta.

 

Correm revoltosas as águas da vida. Cresceu de tal ordem o seu caudal e é tão intensa a agitação do seu curso que, no momento, dificilmente se encontrarão comportas fortes o bastante que as sustenham. Por muito tempo correram mais ou menos tranquilas, raramente galgando as margens traçadas por um conjunto de elevados princípios e valores morais até há pouco tempo considerados como pilares inabaláveis da paz entre os homens. Estranha e repentinamente, transformaram-se em impetuosas e indomáveis correntes que ninguém controla, buscando sofregamente um qualquer lugar onde desaguem os seus novos interesses. Para onde corre o mundo, o nosso mundo?...  

 

Em silêncio, como sempre, o Alemão apenas observa. E como entende tudo o que se passa ao seu redor! O olhar vago e distraído de quem procura dar descanso à vista já não se estende a horizontes distantes. Ainda assim, mesmo sem o querer, vai percebendo movimentos ou a ausência deles que lhe dizem o quão acertada tem sido a posição passiva a que se remeteu de há uns tempos a esta parte. Não por ausência de vontade em atuar, que nunca lhe faltou, mas por pretendida mudança de atitude face à dimensão das adversidades quase incontroláveis dos novos tempos. É que, perante o desmoronamento que se prenuncia, talvez já não valha a pena resistir.

 

 Sobreviveremos?...