sábado, 30 de junho de 2018











HISTÓRIA Nº. 32


Aquele grito…


Não, nunca foi de confusões. Desde criança que vive a sua vida sem grandes companhias. Foi sempre assim. Vida que não escolheu (haverá quem o faça?...), mas à qual se entregou sem reservas. Sem queixumes. Apaixonada e dedicadamente.  Sempre. Em tudo o que fez. Até “mais do que prometia a força humana”, perdoe-me o inefável Camões a referência. Num estilo de vida mais ou menos contido. Sem grande “barulho” …  Cansado, o Alemão confere hoje tudo isto e percebe o que está a acontecer.  Não estranha, por isso, o crescente aumento do espaço que o distancia do resto, ou isola (!?...), cada vez mais…


Na adolescência “alguém” profetizou acerca do seu matrimónio. Um quadro idílico: os noivos sentados num banco de jardim e crianças brincando-correndo em volta, felizes. Alguns dirão:” profecia de resultado quase garantido! Alegria e felicidade normais na relação pais-filhos”. Seja, mas aconteceu! E aconteceu muito mais: depois dos filhos, os netos, lindos netos! Todavia, a beleza daquele quadro não beliscou a sua dedicação. A propósito, há muitos anos, recorda o Alemão o grito do filho mais velho, na altura o único, pedindo: “Pai, fica em casa hoje…”. O Alemão não ficou porque não podia…


O olhar que o Alemão lança sobre o mundo de hoje não é de grande apreço. Pelo contrário.  Em sua opinião, o mundo está pobre e caminha para a miséria. Os valores eminentemente humanos escasseiam, por mais que proclamem a sua existência. Promessas e mais promessas.  Há quem chame a isto evolução, mudança. E quem não o perceber e acompanhar, diz-se, perderá a carruagem do futuro já em andamento.



O Alemão está a ficar para trás!...







domingo, 24 de junho de 2018










HISTÓRIA Nº. 31


A encruzilhada…


Esse dia haveria de chegar, desconfiava.  Os sinais anunciavam-no. Daí os avisos e mais avisos. Os conselhos e mais conselhos. E toda a sua força concentrada na certeza da direção. Uma única direção. Tudo fez para impedir a chegada de um dos piores e mais difíceis momentos da vida. Mas todos aqueles esforços foram desconsiderados. E o pior é que, agora, talvez seja tarde. Chegou-se a uma encruzilhada.

O Alemão está desiludido. Ao longo da vida, fez o que pôde… e já não pode muito mais. Os acontecimentos dos últimos tempos, e foram muitos, gastaram-lhe o que restava das suas energias. Já não reage, ou reage pouco. As exigências feitas continuam a conferir-lhe obrigações a que já tem dificuldade em responder. Curiosamente, obrigações que só ele deve cumprir prontamente... Os outros, esses, usam e abusam disso. Sempre que lhes apetece. E nem sempre lhes apetece…. “O farol tem de estar sempre no seu lugar; os navios passam quando tiverem de passar… e não o dispensam”. Justo?!

Estranhamente, as soluções que a encruzilhada sugere têm muitos caminhantes. Uma espécie de “qualquer caminho vai dar a …”. Que pena que, nestes tempos em que o tráfego rodoviário, por exemplo, obedece escrupulosamente às indicações que atualíssimos elementos de orientação lhe facultam apontando a direção certa (só erra quem quer), caminhos mais altos sejam escolhidos e percorridos de acordo com interesses meramente pessoais!…

O Alemão tem esperança de ver, em breve, junto a cada solução que parte desta encruzilhada, sinais indicativos do destino a que cada um desses caminhos conduz. Que todos amem o CAMINHO!  

Deus se lembre de nós!...





domingo, 10 de junho de 2018






HISTÓRIA Nº. 30



O Futuro…



Olhar o Futuro. Teses e mais teses. Estudos e mais estudos. Previsões a curto e a longo prazo. Certezas, até!... Irritantes discussões onde, amiúde, o tom de voz denuncia a existência de ódios entre os contendores. Preocupados com o futuro dos outros ou com as suas próprias intenções de futuro… a pensar em si mesmos? Diz-se, “da discussão nasce a luz” … Mas quanta escuridão! Horas e horas a fio, debates (ou combates…) repetidos até à exaustão. Visões próximas, visões antagónicas. Todas egoístas. Assim, até o próprio Futuro tem dúvidas. Pobre amanhã!...


O Alemão, viciado em jornais (quase 40 anos de trabalho nesse sector), cansou-se de os ler. Já aposentado, continuava a comprá-los diariamente. Até que, não vai há muito, deixou de o fazer. E não lhes sente a falta. Os conteúdos, mais do que nunca, servem tendências-clientelas e resultam de censuráveis interesses pessoais. Raramente esclarecem com honestidade. Antes pelo contrário. Que estranhíssima legitimidade lhes autoriza tamanha proclamação das suas próprias verdades relativamente ao Futuro?...


O Alemão desconfia da sinceridade de tanta discussão. Parece-lhe mais uma feira de vaidades em que cada um procura mostrar-se mais entendido do que os outros na fundamentação e construção das suas previsões. O Futuro é o momento seguinte dos vivos. De todos os vivos!... Como alguém disse: “o Futuro sempre está começando agora!”. E desse momento sempre a começar quem cuida? Os iluminados? Os pseudo - preocupados com a humanidade?


“Não vos inquietais, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal” (Mateus, 6-34). Há cerca de dois mil anos atrás já “Alguém” sabia do que falava relativamente ao Futuro!...






segunda-feira, 4 de junho de 2018









HISTÓRIA Nº. 29


Quietude…


Última quarta-feira de Maio de 2018. Meio da tarde. S. Leonardo, Galafura. 640 metros acima do nível do mar. O marco geodésico junto da capela atesta ser esta a maior altitude das redondezas. Ao fundo, o Doiro. Quieto como da última vez. Será que se mexeu neste intervalo de alguns meses?  A quietude que promove a paz. A lembrar o eterno poeta destes lugares, Miguel Torga:



QUIETUDE


Que poema de paz agora me apetece!
Sereno,
Transparente,
A sugerir somente
Um rio já cansado de correr,
Um doce entardecer,
Um fim de sementeira.
Versos como cordeiros a pastar,
Sem o meu nome, em baixo, a recordar
Os outros que cantei a vida inteira.

In "Diário XIII"

O Alemão tem este lugar como um verdadeiro santuário de paz. Visita-o sempre que passa por perto. Como agora sucedeu. Para um banho de natureza. Sozinho. Sem ninguém a espiar-lhe os movimentos. “Haja paz desde os céus!”

Apenas uma vez por ano aquela paz é perturbada. No dia dedicado ao padroeiro, em finais de Agosto. A propósito, o Alemão lembra-se de numas férias de verão, há muitos anos, visitar o lugar-miradoiro num desses dias de festa. Tinha ainda o velho “carocha” beije, tampa do motor ligeiramente aberta por causa do aquecimento… e que lhe dava um certo ar!... No parque das merendas e um pouco por todo o lado, nas encostas, os romeiros exibiam (e comiam) os seus gordurosos e fartos farnéis. Borrego e cabrito assados, mais o inevitável arroz de forno, eram os Reis da festa. No ar o cheiro forte daquelas carnes assadas impressionava as narinas de quem não estava acostumado àqueles petiscos. Nos rostos o brilho avermelhado dos néctares da região prometia muito até à noitinha. Foguetes precediam a procissão que subia lentamente em direção ao ponto mais alto, acompanhada por uma banda filarmónica já muito pouco alinhada… na farda e nos passos. Culpa do calor!... Para trás ficara um trombonista que resistentemente tocou “puá…  puá… puá…”, até cair, redondo como um tordo, sobre o "carocha", respeitosamente acostado, e exatamente sobre a tampa ligeiramente aberta e que lhe dava um certo ar!... Que agitação num só dia!

O Alemão gostaria de viver mais perto daquele miradoiro tão sublimado por Torga. Ali, apenas uma vez por ano há agitação. Todos os outros dias são de paz!...