sexta-feira, 30 de março de 2018





HISTÓRIA Nº. 25



Haja paciência…



Ter aguentado até agora já é um milagre! Exclamou o bom do Daniel a propósito da paciência que o Alemão disse já não ter, ou ter muito pouca. Amigo de algumas décadas, conhecedor de alguns dos mais marcantes acontecimentos da vida do Alemão, ele, o amigo Daniel, sabe do que fala. O Alemão ficou a pensar!... Tristes recordações!...

Tantas e tantas vezes lhe pediram, ou exigiram, “tenha paciência” … Unilateralmente. Os outros sempre os eternos beneficiários de tão preciosa virtude. Perante a ofensa, tenha paciência. Perante a afirmação mentirosa, tenha paciência. Perante a exploração, tenha paciência. Perante a deturpação de factos e a criação de falsas versões da realidade, tenha paciência. Perante o prejuízo material e de outra ordem, tenha paciência. Perante a hipocrisia, tenha paciência. Perante o desrespeito, tenha paciência. Curiosamente, a paciência parecia ter só um sentido... sempre pedida apenas a um dos lados para proteção do outro. Paciência paralisadora. Talvez, até, injusta. Não seria mais um pedido de “deixe para lá”?...  Uma espécie de preço a pagar pela paz?... Seria isto paciência? Ou resignação, como alguém lhe chamou?... Sim, talvez resignação.

Há quem considere ser a paciência a “disposição constante do espírito que nos induz a exercer o bem e evitar o mal” (Dicionário Priberam). Mas não estará a paciência, a verdadeira, a virtuosa, mais ligada ao tempo?  Não será porventura, como alguém a interpretou, “o intervalo entre a semente e a flor” (Ana Jácomo)? O Alemão lembra-se de inúmeros momentos de dor e de lágrimas que preencheram tantos e tantos intervalos, tempos da vida que, parecendo intermináveis, chegaram ao fim quando as flores nasceram. Intervalos carinhosa e constantemente regados pela água esperança que foi caindo do Céu…

Haja paciência, o tal intervalo entre a semente e a flor!...





terça-feira, 27 de março de 2018




 




HISTÓRIA Nº. 24


A gente percebe…



A gente percebe. Lamentavelmente, percebe-se que acham que a gente não percebe. A quase bondade no olhar. A quase pureza nas palavras. A quase preocupação nos gestos. A quase sinceridade nas discussões e consequentes decisões, já previamente concebidas.  A quase transparência nas sugestões sobre as mais diversas situações. A gente percebe os quase tudo  em tudo. A gente percebe que os quase tudo são nada. Mas pretende-se dar a ideia de que são muito. O Alemão está cansado deste mundo dos quase. Percebe que as aparências não são o resultado do que verdadeiramente é sentido. Nem sequer o são quase“Não há mal que sempre dure”, diz o nosso povo do alto da sua sabedoria. Está quase a passar, deseja-se. Mas o Alemão percebe que o mundo tomou o caminho dos quase onde sobreviver acabará por merecer, em breve, o estatuto de missão quase impossível. 

A gente percebe que até a Primavera é apenas quase Primavera. As flores não aparecem. As árvores não se vestem. Os pássaros não cantam. O tempo não ameniza. Mas há quem preveja que o bom tempo está quase a chegar…  

A propósito. Imagem dos bons amigos, companheiro indefetível de todas as horas, o Chiquinho II, canário que a amiga Conceição lhe ofereceu em substituição do Chiquinho I que a idade levou, canta em qualquer situação. No escritório doméstico do Alemão, canta vivamente até que a voz lhe doa, como diz o poeta. Das 7 da manhã, tipo despertador, até ao final do dia. Não é o canto desesperado do rouxinol, Alma Perdida, de Florbela Espanca, não. É o canto límpido e decidido, mas doce, de quem não é quase companheiro. É talvez o canto de alguém que faz questão de lembrar que está por perto… O Alemão gostaria de conhecer a letra desta canção!...  




segunda-feira, 12 de março de 2018



HISTÓRIA Nº. 23



Escrever por escrever…




Hoje. Qualquer data serve. Vontade irreprimível de escrever por escrever. Sem nada dizer. E assim dar resposta a quem sabe de tudo e de todos. Sobretudo do que não foi confessado nem de alguma forma revelado. Palavras e mais palavras que o vento já não leva. Tempo do vale tudo?


O Alemão observa preocupado a inquietação da sociedade em que vive. O mundo transformou-se numa arena onde uma das principais armas é a incontinência verbal que delicia turbas entusiasmadas e as arrebata a cada golpe que entendem como certeiro. O importante é o sangue derramado. O respeito pela pessoa humana vai-se tornando cada vez mais num conceito perdido no tempo, consagrado em velhos e empoeirados manuais que falam sobre o Estado de Direito. Livros que já ninguém lê. Da política ao futebol, da economia à justiça, da família à religião, arautos de uma intrigante mensagem gritam irados, esbracejam, insultam e ameaçam, destilando ódio. E como são apoteoticamente aplaudidos! Sabedores de tudo sobre todos. Comentadores imparciais, moderadores equidistantes, defensores justos, acusadores donos da verdade. O que é a Verdade?!  Estranha forma de viver a vida!...


A agitação é contagiosa. Caminho perigoso que também atinge quem está por perto, mesmo só observando. A distância deverá ser significativa para ser segura. O Alemão percebeu-o. Procura, por isso, a tranquilidade de outras posições completamente opostas àquele perigoso contágio. Caminhos abertos e consolidados por quem, muito antes dele, os percorreu semeando a paz, o amor, a amizade, a solidariedade, o respeito… 


Bem-aventurados os pacificadores… (Jesus, S. Mateus, 5).



sexta-feira, 2 de março de 2018






HISTÓRIA Nº. 22


A VOZ…


Março. Sexta-feira. Mau tempo. Vento, chuva e frio, muito frio. De regresso a casa para o almoço, caminhando pelas ruas da baixa portuense, o Alemão observou o frenético movimento do fim da manhã. Turistas e mais turistas. Selfies e mais selfies. Risinhos e mais risinhos. Algum histerismo. Fim de semana à vista e a consequente possibilidade da prática de alguns excessos, seja lá o que isso for. E pensa na enorme superfluidade e artificialidade que a tantos e por tão pouco entusiasma. Talvez o lado mais apreciado da vida… a verdade da mentira!

Mas para muitos, a verdade, essa, é bem diferente. Tempo de “o homem só”. O silêncio cresce, doentio. Como espessa sombra vai impedindo a manifestação do sol, entristecendo a vida e separando as pessoas. Como erva daninha vai tomando todo o campo produtivo, prenunciando miséria e recriando a ideia do “salve-se quem puder”. Como praga envenenadora do ar, vai promovendo em muitos o abandono de lugares seguros por troca com outros desconhecidos e, por isso, de segurança duvidosa. O egoísmo em todo o seu esplendor. E o pior de tudo: “Nem há entre nós alguém que saiba até quando isto durará” (Salmo de David).

Hoje, algumas vezes, o Alemão até das poucas palavras que pronuncia se arrepende, não vá o diabo tecê-las…. Escolheu mal a profissão, certamente. E o que tinha como vocação possivelmente não o era...

Um castrador silêncio tem vindo a emudecer homens bons que o Alemão conheceu/conhece e cujas vozes-palavras-conselhos, em muitas ocasiões, lhe encheu a alma. A morte levou alguns. A outros levou-os a própria vida…

O Alemão espera nunca deixar de ouvir a VOZ que é sobre todas as vozes!...