sexta-feira, 20 de setembro de 2024



HISTÓRIA Nº. 126

 

a hora de parar…

 

“No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

 

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.”

 

- Carlos Drummond de Andrade

 

“Melhor do que começar é saber a hora de parar” – Vitor Orlandi. Qualificando-os a todos como “Histórias”, a verdade é que os seus modestos escritos foram sempre mais do que meros repositórios de um passado restrito a um grupo específico de pessoas no qual se incluía. Como os amigos lembrarão, algumas vezes, nas suas dissertações, fez desabafos pessoais sobre desilusões, desgostos ou perdas irreparáveis ao nível de valores e princípios a que foi assistindo. Sempre que se justificou não deixou de criticar o mundo e o comportamento da vida em sociedade. As pedras do caminho foram endurecendo as palavras que há sete anos eram bem mais leves, bem mais suaves…

 

Os seus bons amigos que, discretamente, o acompanharam nesta longa caminhada, ficaram a conhecer, mais do que as histórias de seres encantadores e que o Alemão carinhosamente contou, a sua própria história. Ou seja, a parte acessível, porque, dizendo muito, nunca disse tudo, e mesmo o que disse, em muitos momentos, fê-lo de forma convenientemente enigmática. Como tantas vezes confessou, escrevia para si mesmo!...

 

Mentalmente, já vinha antecipando este momento. Escolheu este dia, anterior a um que lhe diz muito em cada ano (!...), por lhe parecer o melhor como demarcador de tempos.

 

As cento e vinte e seis Histórias, devidamente acondicionadas, estarão guardadas, a partir de agora, na gaveta das suas mais gratas recordações. Quanto ao Alemão, talvez apareça por aqui, de vez em quando, sob outro formato. Para rever os amigos, os bons amigos.

 

“Às vezes é preciso parar e olhar para longe, para podermos enxergar o que está diante de nós” – John Kennedy. 



 

terça-feira, 17 de setembro de 2024



HISTÓRIA Nº. 125

 

E Deus, onde fica no meio de tudo isto?...

 

“Poucos são os que têm privacidade para ficar tristes. Neste mundo de vigília e patrulha constantes, é um luxo poder sofrer sem ter ninguém nos observando.”

- Martha Medeiros

 

Ultimamente, com frequência se ouvem desabafos: “está tudo doido!” Reação a comportamentos humanos que, nesta altura da vida, deveriam estar já erradicados. Um perverso levantamento de poderes, que o Alemão receava pela perda de valores e princípios tantas vezes aflorados nos seus textos, provocou e alimenta uma agitação na maioria das pessoas que ninguém se atreve a adiantar por quanto tempo durará. Irritação descontrolada e duradoura. Tantos sentimentos de natureza antagónica foram desavisadamente despertados nestes últimos tempos. Convivência estranha, atípica até, tendo em conta a vincada diferença da natureza de cada um deles, uniram as suas forças numa aliança de cedências entre si até há pouco impensável. Quem lê, entenda! A visão atual do mundo é muito preocupante. Diversas frentes de combate… e cada vez menos gente para as enfrentar. Resultando, ainda que em diferentes níveis (famílias, povos, mundo em geral…), em fomes, pestes e guerras. O Alemão arrisca, ainda, uma pergunta para si pertinente: e Deus, onde fica no meio de tudo isto?...

 

O Alemão tem uma “maneira romântica de ficar triste”, na definição que Mário Quintana deu ao estado de “melancolia”. Olham-no e especulam acerca da tristeza profunda em si instalada e que, sem o querer, deixa transparecer, embora sem perder o sorriso que desde criança mantem. Olha para o muito que se perdeu e desconfia que muito se perderá ainda! É que, “está tudo doido!”, também faz parte das suas conclusões, numa altura em que as forças começam a ser insuficientes. Todavia, uma réstia de esperança persiste:” Esperei com paciência no Senhor, e ele se inclinou para mim e ouviu o meu clamor” – Salmo 40.

 

O Alemão sabe que alguns dos seus amigos consideram a solidão que cultiva e a tristeza que aceita como companhia males que deveria eliminar com brevidade, pois “a vida é como um conto ligeiro” - (Salmo 90) e já não haverá muito daquele texto para ler.

 

Amigos, já é tarde para mudar!... “Trago tristezas particulares, tão minhas que só na solidão posso senti-las. Acho que todo mundo tem aquela tristeza só sua; às vezes somos egoístas até com a nossa dor” - Caio Augusto Leite.   




sexta-feira, 30 de agosto de 2024



HISTÓRIA Nº. 124

 

A Banda do Avô…

 

“Não é tristeza, apenas cansaço.

Afinal, são tantas as batalhas.

Não é falta de fé, é compasso de espera,

Para que aquilo em que tanto se acredita se realize.

Não é medo, é resguardo, cuidado.

Resguardo para se dispor em momentos de menos turbulência.

Não é solidão, é opção, não querer trazer ninguém para o meio do

seu “eu em confusão”.

Não é tempo perdido, é momento de reconstrução.

Porque tudo isso vai passar…

Porque de repente você volta em paz, inteiro e mais leve.

Que seja breve…”

- Jorge Luiz de Alencar Soares

 

 

“Não é tristeza, apenas cansaço”. Subtil nuance poética em missão atenuadora do sofrimento causado por um dos sentimentos mais frequentes do nosso tempo. Esforço inglório, porém: é que a tristeza dói, mas o cansaço também dói, dói sim, e muito!...

 

O cansaço chegou com a idade, inevitavelmente. As forças se foram e, agora que tão necessárias seriam, já não existem. A consciência dessa incapacidade traz a dor provocada pela decorrência da inutilidade. Acresce a dor da quase resignação para que o encaminham alguns dos impacientes desta vida, ainda que gentilmente sugerida: hora de viver os netos, seis lindas criaturas de Deus que o Alemão ama profundamente…

 

E como dói o olhar para a vida nestes dias! Impossível ficar indiferente perante o estado de degradação a que o mundo chegou, embora haja quem considere que nunca se evoluiu tanto como nestes últimos anos… Em que sentido? Qual o preço? Ver seriamente atingidos por desvalorização e desprezo princípios e valores que sempre defendeu e difundiu com a sua frágil voz através dos tempos, provoca em si uma dor profundíssima que nenhum analgésico acalma. Infelizmente, muitos dormem, ignorando o aviso divino: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação” - Mateus, 26.

 

O Alemão faz suas as palavras que respeitosamente transcreve: “Sim, não foi fácil, caí e perdi, mas também venci. Venci o sono e o cansaço, venci o medo e a desilusão, venci a frustração e as críticas, venci a mim mesmo. Já pensei em desistir, mas continuei. Já pensei em abandonar, mas fiquei. Já cansei, mas continuei. Perder também é uma vitória. Por isso, nunca julgue alguém pelo brilho das medalhas, pelas cicatrizes da vitória, pela estante de troféus, pois você não faz ideia de quantas vezes ele já perdeu para conseguir vencer” - Wilton Lazarot

 

Já agora, só para terminar, “também temos saudade do que não existiu, e dói bastante.”  

Carlos Drummond de Andrade. 






sexta-feira, 23 de agosto de 2024



HISTÓRIA Nº. 123

 


O silêncio é uma confissão…

 


“Eu sou antes, eu sou sempre, eu sou nunca. E o que me espera é exatamente o inesperado. O que saberás de mim é a sombra da flecha que se fincou no alvo. Pois há segredos que eu não conto nem a mim mesma. O silêncio que trago em mim é a resposta ao meu mistério.”

- Clarice Lispector

 


“Não sei se sou extremamente sensível ou a vida é insuportável”, disse Vicent van Gogh, célebre pintor holandês do século XIX.  O Alemão, mais do que nunca, revê-se nesta expressão que leu hoje por mero acaso. Vive no meio dos seus silêncios, poupado nas palavras que nunca se permite, apoiado numa mudez preventiva, intencionalmente cautelosa. Gasta os dias no seu mundo com muitos anos e que lhe custou imenso a construir. Mas, apesar da prudência nos seus passos, não deixa de perceber incursões subtis, por caminhos de aparente bondade, à procura de mistérios que são só seus, unicamente seus. É o outro mundo, que o Alemão procura manter distante do seu, a movimentar-se em sua direção!...

 

No dizer de Camilo Castelo Branco “o silêncio é uma confissão”. Parece ter razão! Por isso, talvez, a manifestação de tanta criatividade nas deduções feitas pelos mais compulsivos curiosos, para lhes não chamar outra coisa… O Alemão precisa de paz!

 

E para não desiludir o esforço dos preocupados, mesmo dos sinceros, deixo-vos de seguida a confissão que explica, exatamente um mês depois de tanto silêncio, a razão de por aqui ter passado neste fim de tarde da penúltima sexta-feira de Agosto de 2024:

 

“Hoje a carência é minha.

Posso te contar um segredo?

Na verdade, uma confissão…

Senti saudades!”

                                                                                                                                                    - Torresjeh



 

terça-feira, 23 de julho de 2024



HISTÓRIA Nº. 122

 

O Bem e o Mal…

 

“Os homens deviam ser o que parecem ou, pelo menos, não parecerem o que não são.”

- William Shakespeare

 

O jogo cauteloso das palavras, atenuador da dureza dirigida a uma das posturas humanas mais usadas e criticadas atualmente: a dissimulação. O distinto escritor inglês aponta o caminho da verdade, da autenticidade. Até o Alemão que, sem reservas, subscreve a introdução acima, procura as melhores palavras quando da adjetivação, felizmente não generalizável, dos sentimentos que prejudicam a vida em sociedade, sobretudo ao nível das boas relações que se esperam duradouras.

 

Diz o nosso povo, num dos seus adágios mais antigos, que “nem tudo o que reluz é ouro”. Mas a verdade é que, lamentavelmente, o brilho sedutor da aparência fascina a alma mais pura e simples. E uma mentira bem contada e inúmeras vezes repetida consegue ganhar foros de verdade! Um sorriso, uma palavra, ou um gesto inautênticos, hipócritas até, alcançam facilmente estatuto de sinceridade inatacável.    

 

Como alguém disse, “a verdade sempre aparece, pois é uma das regras fundamentais do tempo.” Impressionante como o tempo acaba por revelar a verdade dos sentimentos declarados: tantos se apresentam nobres sem o ser; tantos são tidos como falsos sendo verdadeiros. Quando assumida, a virtuosa paciência, nem sempre compreendida por ser controladora de desesperos e travão de precipitações, nunca vê frustrada a sua resistência. Pode questionar-se se vale a pena aguardar, muito ou pouco, mas os valores resultantes da espera serão sempre compensadores: pelo menos, o triunfo do certo sobre o errado, do verdadeiro sobre o falso!...

 

Discernir entre o bem e o mal, o desafio instante nestes tempos tão perturbadores!...  

 

“A sociedade vive num sistema hipócrita. Todos querem sinceridade, mas ninguém luta por isso.”

- Tatiana Moreira Alvarez




domingo, 21 de julho de 2024



HISTÓRIA Nº. 121

 

Mas, tudo bem!...

 

 

“Faz de conta que a vida é perfeita, que tudo é possível, que o mundo conspira só a favor do bem;

Que as lágrimas são doces, que os arranhões são confetes, que a tristeza não machuca;

Que a dor foi embora, que o riso agora, chegou para ficar.

Faz de conta…”

- Marina Rotty

 

 

Noite muito mal dormida. Amanhecer antecipado. Domingo de Verão a anunciar-se digno desta estação tão desejada. Uma espreitadela sobre a rua ainda deserta recordou-lhe os tempos em que a cidade ficava vazia nesse dia consagrado ao descanso. Sabe, porém, que, daqui a pouco, não faltarão os idiomas mais diversos falados pelos transeuntes da baixa portuense a confirmar a atual realidade babélica da linda cidade que o viu nascer no século passado. Mas, tudo bem!

 

Programa do dia necessariamente alterado e que lhe lembrou um pequeno texto sobre a falibilidade dos projetos humanos: “Digo-vos que não sabeis o que acontecerá amanhã. Porque, que é a vossa vida?” - Tiago, Bíblia Sagrada. E de há um tempo a esta parte, quantos ajustamentos de última hora a corrigirem previsões apontadas como certas e que, acredita o Alemão, nem sempre terão sido bem compreendidas …  Mas, tudo bem!

 

Com tempo para pensar, o Alemão foi deambulando ao sabor da liberdade que a si mesmo ofereceu nesta manhã de Julho. Sim, que ofereceu a si mesmo, excecionalmente, porque não é normal permitir-se estas divagações mentais, a fim de evitar possíveis encontros antipáticos e indesejáveis, estragadores da paz conseguida através de algumas concessões. E foram muitas através dos anos! Hoje, com os devidos cuidados, sempre ajudará a passar o tempo…  Mas, tudo bem!

 

Façamos de conta que a vida é perfeita!...



 

terça-feira, 9 de julho de 2024



HISTÓRIA Nº. 120

 

O cansaço…

 

“Confesso que ando muito cansado, sabe? Mas um cansaço diferente… um cansaço de não querer mais reclamar, de não querer pedir, de não fazer nada, de deixar as coisas acontecerem.”

- Caio Fernando Abreu

 

Reconhece já não ser capaz de, pelo menos, tentar contrariar tendências alteradoras de princípios e valores que com tanto esforço defendeu e procurou preservar. De quadrantes inesperados, imprevisíveis, novos ventos, a quem conferem o estatuto de inevitabilidade, sopram firmemente, impondo sem discussão a sua vontade, uma nova e indiscutível vontade. Outros tempos que alegram o novo mundo e os seus seguidores e entristecem os poucos que os não aceitam nem suportam. “É o que é”, diz-se em linguagem moderna!...  

 

As últimas adversidades pessoais, preocupantes, serão, segundo alguns, matéria bastante que justifica a visão desconfiada que o Alemão tem do mundo em que vive e a dureza injusta das palavras que usa nas suas exposições. Mas, cento e vinte fanecas da pedra depois, ao longo de cerca de sete anos, os seus leitores confirmarão que a denúncia da queda de princípios e valores esteve quase sempre presente naqueles humildes textos. Não é pessimismo: é desgosto. Tristemente, o mundo desmorona-se e poucos o percebem!...

 

Na verdade, esperava maior resistência em gente que viu crescer perto de si através dos anos. O ânimo generalizado parecia inacabável. “A mão no arado sem olhar para trás” era reveladora de firmeza inabalável de um dos mais belos sentimentos: amor por amor. Tempos difíceis os de hoje!...

 

Embora compreenda o prejuízo imenso causado pela exigência dos novos tempos e dos novos ventos, o Alemão, fazendo o que pode, embora pouco, não tem deixado de, com os seus desabafos escritos, exercer alguma pressão na esperança de ver redinamizado o esforço perdido e reavivado o querer enfraquecido. Oxalá consiga!

 

O pior é o cansaço!...

 

“Um supremíssimo cansaço,

Ìssimo, íssimo, issimo,

Cansaço…”

                                                                                                                                     - Álvaro de Campos