sexta-feira, 31 de maio de 2024



HISTÓRIA Nº. 118

 

As lágrimas…

 

“Há um tipo de choro bom e há outro ruim. O ruim é aquele em que as lágrimas correm sem parar e, no entanto, não dão alívio. Só esgotam e exaurem. (…) Homem chorar comove. Ele. O lutador, reconheceu sua luta às vezes inútil. Respeito muito o homem que chora. Eu já vi homem chorar.”

- Clarice Lispector

 

A Faneca da Pedra é um dos seus refúgios. Nela vai registando os seus estados de alma, as lágrimas de choros bons e de choros ruins, algumas das suas mais gratas recordações, alguns dos mais marcantes acontecimentos da sua vida…  e até os seus gritos mais silenciosos, sem limites de decibéis, inaudíveis aos desalinhados, embora haja ouvidos mais sensíveis que os escuta e compreende. Não desconhece que o estilo, quase sempre enigmático, reduz o interesse de eventuais seguidores. Mas, como disse pelo passado, “o Alemão escreve para si mesmo”. Uma coletânea de simples textos que compartilha com os amigos que resistem, ainda.

 

A passo lento vence o percurso de cada dia: umas vezes sem que nada, mesmo nada, aconteça; outras, intensas e cansativas pelo uso e abuso de tanta pontual utilização alheia… O importante é estar sempre pronto para tudo e, sobretudo, para nada! Em estado de alerta, suportando pacientemente o acentuado desgaste de expetativas tantas vezes vazias, tantas vezes inúteis, aniquiladoras de sãos sentimentos. A tristeza silenciada perante a ferocidade das adversidades que ganham cada vez mais espaço no mundo.

 

Não resiste à reprodução de um poema de Miguel Torga, seu autor favorito, que deixa perceber a sua definitiva desistência perante a impossibilidade de alterar o inalterável:


“Agora,

O remédio é partir discretamente,

sem palavras,

sem lágrimas,

sem gestos.

De que servem lamentos e protestos

Contra o destino?”

- Miguel Torga

 

Noite alta, sono ausente, preocupações vivas… e o amanhecer ainda distante. De repente, o silêncio interrompido por um indicador de chegada de mensagem. Alguém, no mesmo fuso horário, mas a muitos quilómetros de distância, informava carinhosamente: “Deus acabou de me despertar para orar pelo irmão” – eram 3 horas e 37 minutos… O Alemão não ficou indiferente!

 

Às palavras de Clarice Lispector – Choros ruins -, de Miguel Torga – Sem lágrimas –, junta, agora, as palavras luminosas de William P. Young, in A Cabana: “Jamais desconsidere a maravilha das suas lágrimas. Elas podem ser águas curativas e uma fonte de alegria. Algumas vezes são as melhores palavras que o coração pode falar.”

 



sexta-feira, 24 de maio de 2024



HISTÓRIA Nº. 117

 

 

“Faz de conta que a vida é perfeita, que tudo é possível, que o mundo conspira só a favor do bem;

Que as lágrimas são doces, que os arranhões são confetes, que a tristeza não machuca;

Que a dor foi embora, que o riso agora chegou para ficar.

Faz de conta…”

- Marina Rotty

 

Bonito amanhecer. Céu limpo, sol radioso, temperatura um pouco mais que amena. O bom tempo terá vindo para ficar. O passeio matinal pelas ruas envolventes, mais a inevitável incursão pelo fervilhante e estrangeirado Mercado do Bolhão (novo), deram-lhe um ânimo de que já se não lembrava há muito. Só terá faltado o reencontro com algum amigo – pelo passado, muitos pisavam aquelas paragens - e a troca de saudações que, mais do que cortesia, eram dádivas recíprocas de uma paz autêntica, duradoura. Eram dádivas de amor!...

 

Chegado a casa, contabilizou os passos dados, calculou a distância percorrida e as calorias queimadas. Já obteve melhores resultados, mas este “passeio higiénico”, mais do que pelos efeitos terapêuticos sempre de considerar, valeu pela recordação de quem, por muitos anos, naquele espaço mercantil, consumiu a maior parte das suas vidas. Para o Alemão, então adolescente, visitar o Bolhão era adentrar numa espécie de recinto sagrado onde gente simples, boa, generosa, honesta, procurava ganhar o pão de cada dia. Ao fundo da escada principal, lá estava sempre a imponente e vigorosa Emília Peixeira de cujos abraços o Alemão fugia, nem sempre com sucesso; um pouco mais ao lado, a mobilizadora Maria Cachopa e as suas verduras, as melhores de todas as que por ali se vendiam; mais à frente, num dos corredores laterais, a Laurinha de Avintes e a sua broa inconfundível…

 

A pequena jornada que acabou de descrever fê-lo esquecer, ou, pelo menos, não lhe permitiu lembrar as lágrimas, os arranhões, as tristezas, as dores. Talvez outros percursos, outros lugares, perto ou longe, o ajudem a apagar (esquecer será possível?!...) as lembranças que lhe têm marcado duramente a existência nestes últimos anos. Há que descobrir! Apesar de tudo, acredita que, “embora o mundo esteja estranho, em algum lugar ainda existe amor” - autor desconhecido.  

 

“Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens.”

- Fernando Pessoa




terça-feira, 21 de maio de 2024


HISTÓRIA Nº. 116

 

“Agora sei: sou só. Eu e a minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão.”

- Clarice Lispector

 

Restava ainda alguma ingenuidade. Restava, disse bem, porque já não resta. Sentia-lhe já alguma fragilidade, mas entendeu conceder-lhe o benefício da dúvida. Durou, por isso, muito tempo, até mais do que determinadas idades consentem. Costuma esgotar-se bem mais cedo, normalmente na fase da vida em que se desperta do sonho e se encara a dura realidade. Mas o Alemão, contrariando a sua propensão pessimista, prolongou-lhe a vida, acreditando na pureza e consequente longevidade da nobreza de sentimentos que sempre tanto admirou. Tudo isto para dizer, definitivamente: “agora sei, sou só!”

 

Surpreende, certamente, o conteúdo do parágrafo anterior. Como quase sempre, intencionalmente pouco claro, deixa, todavia, entreaberta a porta reveladora pelo menos do ajustamento comportamental que ao Alemão faltava e que o tempo vivido há muito aconselha. “A gente cansa de tentar… de querer… de acreditar… aí chega um dia, que a gente finalmente cansa… de cansar!!!” - Maria Aparecia Francisquini.

 

Em dezembro de 2022, na História nº. 84, já explorava o tema: “A desumanização a que chegou a relação entre os homens, o impune espezinhamento dos valores morais sobre os quais tantos ergueram a sua vida e que agora assistem ao seu desmoronamento, a prática do “vale-tudo” no dia a dia onde solidariedade, honestidade, lealdade, respeito e verdade são agora, e já de algum tempo, meras palavras, deixam o Alemão em estado de desalento: o mundo está mesmo em destravada decadência… Há uma espécie de cansaço a sugerir adequado repouso. Por um tempo, por todo o tempo?...”

 

Na prática, que se veja, nada muda. Ocorre, sim, uma arrumação interior que pacifique o que ainda for a tempo de o ser. A agitação e agressividade do dia a dia num mundo em constante desassossego, a perda irrecuperável de valores tão ricos desde há muito transmitidos por homens simples, mas sãos, o desrespeito pelo sofrimento do próximo, tornam a vida pouco menos que suportável.

 

Não se trata de nenhuma desistência, mas sim de um reposicionamento pessoal que os amigos, os bons amigos, não deixarão de compreender. “Aliás – descubro eu agora - eu também não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria.” – Clarice Lispector.

 

Mas, apesar de tudo isto, o Alemão vai continuar por aí!...  

 

“Olhei uma foto minha e senti saudade do meu tempo de ingenuidade, saudade do tempo que eu acreditava cegamente nas pessoas.”

-Glauber Arikener