sábado, 30 de março de 2024



HISTÓRIA Nº. 112

 

Preocupa a incerteza…

 


“Tento concentrar-me numa daquelas sensações antigas como alegria ou fé ou esperança. Mas só fico aqui parado, sem sentir nada, sem pedir nada, sem querer nada”.

- Caio Fernando Abreu

 

 

Em raras aparições, têm-no visto ao longe, sempre bem acompanhado pela sua fiel solidão. Abúlico, desinteressado, distraído… Cansaço?!

 

Indescritível a parte do percurso a que chegou. Nuvens negras e baixas impedem o acesso da luz que sempre lhe mostrou claramente as definições do seu caminho e lhe assegurou a firmeza de cada passo dado. Prudentemente, fica parado até que, da vitória do Sol sobre tais espessas trevas, ressurjam “aquelas sensações antigas como alegria ou fé ou esperança” que por muitos anos lhe alimentaram o ser. Por ora, apenas espera: “sem sentir nada, sem pedir nada, sem querer nada”.

 

O Alemão sabe que é observado nas suas reações, simples ou complexas, ou até na ausência delas. Mas não o preocupa as conclusões erróneas a que chegam tantos olhares que não vêm, assim como inúmeras palavras falaciosas que nada dizem. Sustenta-se sofregamente do passado que tanto sublima e no qual foi formado.

 

Lamenta, sim, profundamente, a desvalorização de sãos princípios cuja perenidade ninguém deveria questionar. As mudanças a que assiste e as que se anunciam em nome de um avanço inevitável e que ninguém sustem, sacrificam no altar de interesses ainda pouco conhecidos valores sagrados que apoiaram a sua geração durante anos e anos. Preocupa a incerteza!  

 

“O que seria do ser humano se não fosse as lembranças saudosas dos bons tempos!” – Camila de Azevedo.



terça-feira, 19 de março de 2024

HISTÓRIA Nº.  111

 


O homem e os sonhos…

 


“Que o medo da solidão se afaste

E que o convívio comigo mesmo

Se torne ao menos suportável;

Que o espelho reflita em meu rosto

Um doce sorriso que me lembro ter dado na infância;

Porque metade de mim é a lembrança do que fui,

A outra metade eu não sei…”

 - Osvaldo Montenegro

 

 

Parafraseando o poeta Fernando Pessoa, mais precisamente Álvaro de Campos, seu heterónomo, o Alemão também “teve em si todos os sonhos do mundo”. Chegou mesmo a confessar, numa das suas primeiras Histórias aqui publicadas, que na adolescência “dormia para sonhar”, única via de acesso ao lugar virtual onde idealizava e construía os seus desejos, aquilo que mais pretendia para a sua vida. Mas já há muito que não dorme para não sonhar!...

 

Alguns daqueles sonhos materializaram-se e enriqueceram-lhe a vida; outros apenas alimentaram por um tempo expetativas que acabaram por se revelar frustradas. Nada que não tenha acontecido a tantos amigos que acompanham o Alemão nestas simples deambulações pela memória das “coisas” relacionadas com a existência humana.

   

Ultimamente, - talvez sinais de envelhecimento!? -, o Alemão percebe que quanto mais distante tenta projetar o olhar, menos alcança. O longe, que tantas vezes se fez perto, já não o atrai, nem um pouco. O mundo, o seu mundo, reduz-se a olhos vistos, enclausurando-o num espaço cada vez mais pequeno, mas que ainda lhe é suficiente. Os mares e os ares que em tempos cruzou já não lhe são apelativos, perderam a graça… A realidade atual desaconselha devaneios!

 

Chamaram-lhe “sonhador” na adolescência, “poeta” na juventude, “tristonho” na fase intermédia, “pensador” nos tempos atuais. Talvez amanhã os amigos lhe definam outro cognome…



 

terça-feira, 5 de março de 2024



HISTÓRIA Nº. 110

 

  

“A casa da saudade chama-se memória: é uma cabana pequenina a um canto do coração”

- Coelho Neto

 

Cada vez mais reservado, cada vez mais distante. Imagina os olhares interrogativos de quem o observa e pretende interpretar os seus movimentos ou a ausência deles. Acredita, até, que alguma irreprimível criatividade alheia descubra razões e dê vida a motivos que a razão desconhece. O que não será de estranhar, pois sempre houve alguém candidato a saber de tudo e de todos a partir da sua própria imaginação!... Figura incontornável da vida em sociedade!...

 

A memória aconselha-o a todo o momento. As suas escolhas, silêncio e solidão, foram-lhe há muito recomendadas por quem bem conhece os caminhos da Paz e habita, dentro de si, “na cabana pequenina a um canto do coração”. O Alemão, pacífico por natureza, não se revê na agitação destes tempos, em que proliferam e se materializam impunemente sentimentos de enorme perversidade: alguns, velhos de muitos anos; outros, novos de poucos dias… E como castigam as gerações que coexistem espalhadas por este vale de lágrimas. A intemporalidade da maldade no mundo!...

 

Confessa que nem sempre foi fácil para si a gestão de algumas das suas escolhas: não ver, não falar, não ouvir. Mas confirma a bondade da experiência sempre que conseguiu a reunião daquelas três posturas. “Era tanto o silêncio e tão leve o ar, que se alguém aguçasse o ouvido talvez pudesse até escutar o sereno na solidão” - Erico Veríssimo.