segunda-feira, 20 de dezembro de 2021


HISTÓRIA Nº. 75

 

"A vista e as lágrimas"

 

“Ajuntou a Natureza a vista e as lágrimas, porque as lágrimas são consequência da vista; ajuntou a Providência o chorar com o ver, porque o ver é a causa de chorar. Sabeis porque choram os olhos? Porque veem.” – Padre António Vieira, in “Sermões”.

 

O Alemão ainda vai andando por aí, silencioso como sempre, pelas fendas das penhas, no oculto das ladeiras.... Observa as ruínas dos tempos, a miséria a que chegaram alguns dos caminhos onde tanta gente pelo passado se acotovelava num colorido vaivém. Movimento que parecia imparável, alegria que se tinha como eterna, mas que se desvaneceram como fumo. Que pobreza, que vazio, que dor!

 

Como magoam as boas memórias despertadas por estes dias de inverno, por esta interminável ausência de sol: que frio!... Histórias não reveladas ainda: sê-lo-ão algum dia, valerá a pena contá-las?... Talvez já não sejam lenha para uma fogueira que aqueça a alma até que chegue o bom tempo. E o verão chegará?...

 

 “Sabeis porque choram os olhos?” 



terça-feira, 9 de novembro de 2021

 


HISTÓRIA Nº. 74

 

Há dias assim!...

 

Não é necessário que lho digam duas vezes: uma ainda chega. Nem que lho insinuem duas vezes: uma ainda chega, também. Desde sempre percebeu quando a sua presença era ou não desejada. Não, não é dom, é fruto da observação do descarado ridículo a que o chico-espertismo face aos outros sujeita os seus praticantes. Ao que o mundo, o nosso mundo, chegou! O Alemão realiza-se no caminho que escolheu desde a infância e que ainda hoje funciona como a sua defesa mais avançada: só, sem estar em solidão. O melhor caminho para quem ama a paz!

 

A disponibilidade do Alemão terá sido, muitas vezes, confundida com interesses duvidosos. Confusões maldosas! Dezenas de anos a enfrentar e a superar obstáculos: uns naturais, outros criados dolosamente. Na infância, a inocência deu-lhe pequenas asas; na adolescência, a imaturidade deu-lhe alguma ousadia; na fase adulta, a experiência deu-lhe, até ao momento, um pouco de sabedoria.  

 

Hoje, e sem saber porquê, o Alemão lembrou-se do dia em que, à porta do Liceu que frequentava (há muitos anos!...), percebeu que era um menino só… Durou pouco tempo essa sensação. Minutos depois, Alguém lhe dizia: “Eu sou o Teu Pai!...”  Os amigos e habituais leitores dos seus desabafos conhecem bem esta parte da sua já extensa história. Surpreendentemente, ou talvez não, enquanto revisitava este momento, caiu uma mensagem de um amigo de longe e de longa data. Dizia:” deixo-lhe um abraço; senti saudades de si”. Afinal, só, mas não em solidão!

 

Há dias assim!. 




sexta-feira, 24 de setembro de 2021

 


 



HISTÓRIA º. 73

 


Pé ante pé, em silêncio quase absoluto…

 


Pé ante pé, em silêncio quase absoluto para não ser descoberto, o Alemão continua as suas caminhadas por terrenos que tão bem conhece desde criança e que tanto ama. Neles colheu muito do que conserva religiosamente no memorial inapagável da sua existência. Preciosa coleção de valores que conserva cuidadosamente no “cofre” onde protege as suas recordações mais sagradas. Mas a paisagem mudou, talvez definitivamente! A fertilidade de outros tempos deu lugar à aridez. Da beleza que alegrava os olhos e enlevava a alma nem um pequeno vestígio. Foi-se a alegria que enriquecia o dia a dia, a vida. Sobra um enorme vazio de sentimentos revelador do empobrecimento do mundo, do seu mundo.

 

Falou muitas vezes da proximidade de uma encruzilhada. Em algumas das suas pequenas prosas, enigmáticas e tantas vezes intencionalmente indecifráveis, anunciou-o. O Alemão sabia do que falava!... Não, não era clamor profético ou adivinhação barata; era e é fruto de muita observação. Os “desvios” apontavam claramente para uma indesejada direção que acabou por se confirmar. A presente situação era, infelizmente, esperada. Mas, “os tempos são outros, as sociedades evoluem”, dizem!…

 

“Hoje vi as suas costas. Estavam demasiado pesadas. Largas – algo crucificadas”, palavras que recebeu há dias de um bom amigo. O observador também ele observado! Pesos que alguém tem de suportar, por muito que custe! Mas foi bom perceber, ou ver confirmado, que existem outros caminhantes a visitar os mesmos espaços, pé ante pé, em silêncio quase absoluto para não serem descobertos…

 

Afinal, ainda há quem ame!...




domingo, 11 de julho de 2021

 



HISTÓRIA Nº. 72

 

Expetativas…

 

“Sempre em frente, não tem como enganar!”, assim lhe respondiam quando, por via de alguma dúvida, perguntava qual a direção a seguir na busca da razão da sua própria existência. Indicação preciosa, lema de vida que nunca falhou apesar da dureza de muitos dos trechos percorridos. E assim “foi fazendo o seu caminho… caminhando”, ao longo dos tempos, ano após ano. Hoje, embora cansado, reconhece a verdade daquele conselho que o tem feito avançar sem perder o norte, construindo o caminho com dedicação e amor. Até aqui!...

 

Hoje tudo é diferente! O Alemão tinha expetativas otimistas para estes tempos, mas os últimos acontecimentos traíram-nas. Não, não fala das mudanças que ultimamente ocorreram na sociedade nem arrisca prever o que daí resultará. Alguém fará essa análise. O seu olhar é outro e quem o conhece sabe ao que ele se refere, embora em linguagem mais ou menos cifrada. Vê que já são poucos os que perseveram em seguir em frente, preferindo, agora, o acesso mais cómodo de alguns atalhos: já não se constrói, compra-se o caminho feito… A banalização do sagrado! Soluções imediatas e simplistas que levarão, eventualmente, a espaços labirínticos, repetitivos, sem saída…” Quem se mete por atalhos, mete-se em trabalhos” – Vox Populi.

 

As forças vão diminuindo, naturalmente: a idade não perdoa. O desgaste já é indisfarçável. “Mas os que esperam no Senhor renovarão as suas forças; subirão com asas como águias; correrão e não se cansarão; caminharão e não se fatigarão” (Isaías, 40-31).

 

Façamos o caminho!...



domingo, 25 de abril de 2021




HISTÓRIA Nº. 71

 


Hoje não encontrei as palavras…

 


A adolescência foi dura. Tantas vezes lutou até à exaustão, procurando corresponder o melhor que podia e sabia ao que amou talvez muito precocemente. Por necessidade, cedo procurou aprender com os homens o que acabou por ser a própria vida e o seu esforço a ensinar-lhe. Impuseram-lhe, anos a fio, caminhos e decisões: sem escolha. À pergunta “porque é assim?”, a invariável resposta “é assim, porque é assim!”.  Adotando um aparente conformismo, que curiosamente sempre interpretaram como medo, o Alemão lá foi vencendo os seus dias, procurando em inúmeras madrugadas descobrir o porquê das tarefas que executava por rotina e que ninguém tinha disponibilidade para lhe explicar. Porque seria? Mas a sua discreta teimosia levou-o, muitas vezes, ao encontro do que pretendia saber. Parecendo frágil, reconhece e louva a existência de uma força invisível que o ajudou a romper inúmeras dificuldades que lhe enevoaram muitos dos anos da sua existência. Obstáculos expetáveis; outros nem tanto!…

 

Sozinho aprendeu muito, apesar do preço que pagou. Empurraram-no para a solidão que acabou por interiorizar e que se tornou numa normal forma de estar na vida. Quase insociável, fala pouco e opiniões há muito que não as emite. As últimas confirmaram-lhe a ideia que sempre teve de que, à sua volta, ou não as ouviam ou então ignoravam-nas. Provavelmente, o Alemão não terá tido uma única razão que outras razões aceitassem…

 

Como na adolescência, há situações que vive e cumpre no presente sem as compreender: rotinas. Agora, sem o ânimo de outrora para novas madrugadas, o Alemão apenas observa. É tarde, passou muito tempo!...



domingo, 21 de fevereiro de 2021





HISTÓRIA Nº. 70

 

Tanta história de vida!...

 

“Tanta história de vida!...”, exclamou, sobre a imagem acima, uma amiga de longa data que ainda vê e lê as, cada vez mais raras, publicações do Alemão. O seu arguto olhar descobriu o que a tantos está oculto, ou porque não o lembram ou porque não o viveram: o movimento centrado na pequena casa onde, em qualquer ocasião, sempre havia lugar para mais um… Tempos de grande humanidade que a poeira dos anos foi sepultando. Riquezas inestimáveis que poucos fizeram por preservar e que acabaram por se perder para sempre.  Pilares que se tinham por inabaláveis que sucumbiram ao peso de tanta exigência do mundo e cuja recuperação se considera agora não valer a pena. “Cumpriram a sua missão”, sentenciam. As pedras caem e ninguém as repõe nos muros que deixaram de ser limites e proteção. Pedras, muitas, espalhadas pelo chão… Confirmação de que outros valores se levantaram. “Outros tempos, outras vontades, afinal nada dura para sempre”, asseguram. História de gerações cujas vidas passaram ao lado de um qualquer registo que o tempo apagou. Quem se lembrará?!...

 

“Homem que é homem não chora”, alguém determinou. Todavia, haverá sempre uma lágrima nos olhos de quem amou, mesmo que isso signifique fraqueza. A mudança demorou alguns anos, não muitos, mas chegou, como se esperava! Ano após ano, foi dando sinais que alguns ingénuos arautos anunciaram vivamente, sem sucesso. Tais evidências, com significado apenas para os mais atentos, ajudaram a desenhar o quadro profético que hoje em dia se confirma, lamentavelmente.  Agora, até a esperança, radiosa e brilhante por natureza, se manifesta com sombrias dúvidas, já não acreditando em si mesma. O nosso mundo avançou regredindo!...

 

 A vida vai abrindo os caminhos do homem e fá-lo percorrer até os que este não escolheu. A certa altura, já longe de mais, apercebe-se de que não há recuo. O tempo não volta para trás, como alguém diria. Restam as recordações. O Alemão, que já tem muitos anos de passado, sabe que há lembranças que não podem ser evitadas. Boas ou más, alegres ou tristes, manifestam-se vivas ou esbatidas no painel das nossas memórias quando menos esperamos… E às vezes dói!

 

“Junto aos rios de Babilónia nos assentamos e choramos, lembrando-nos de Sião” (Bíblia Sagrada, Salmo 137).