segunda-feira, 15 de janeiro de 2018






HISTÓRIA Nº. 18


Tanta incerteza…


“Alemão, oh alemão, onde estás? Vem já aqui!” No fundo do quintal, sozinho, junto à velha ameixieira, escrevinhava os seus ingénuos versinhos:

“Eu dormira mal,
A inquietação,
Do meu coração
Não era normal.

Vi bem ao espelho
Meu rosto cansado,
Fiquei assustado…
Julguei ver um velho!”

“Já vou, senhora minha mãe, já vou, não demoro”, respondia docilmente. E não demorava mesmo. A voz de comando era enérgica e o recado exigido deveria ser cumprido no imediato. “Vai buscar cinco tostões de farinha ao senhor Moreira”, a mercearia na esquina da Rua da Vitória. “Pataniscas para o almoço”, descobrira o Alemão que, cumprida a missão, lá regressava para junto da cúmplice ameixieira, no fundo do quintal, até que nova ordem-comando interrompesse o seu desfrute poético. Que continuava:

“Ah linda criança
Sorris para a vida
Tão embevecida
Com tal confiança

Que não vês sequer
A longa jornada
Que em busca de nada
Tens de percorrer”.

“Alemão, oh Alemão, onde estás? Vem já aqui!”, a voz de comando. “Já vou, senhora minha mãe, já vou”, a resposta obediente. Vezes sem conta, ano após ano. Uma vida!...

Não, não era a energia do comando e a obrigação objetiva da obediência que fazia dele um adolescente tristonho e pessimista, como se alcança da ingénua poesia. Aliás, nem ainda agora consegue entender o porquê daquela forma de estar na vida que se tem estendido no tempo e se mantém igual nos dias de hoje, agora que é “velho”:  apenas desconfia!... Ou será que já desconfiava nos anos sessenta do século passado quando escrevia assim? Poesia estranha a desse adolescente!...

“Invocar e para quê?
Apaga-se da memória
Da pessoa toda a glória
Sem que por isso se dê.

Esta vida, o que lamento,
Tem do destino ironias,
Ontem e hoje honrarias,
Amanhã o sofrimento.

Tudo passa, tudo corre,
Tudo acaba, tudo morre,
Tudo se perde no além.

Vamos nós mais devagar,
Temos tempo de ficar
No esquecimento também”.

Com o tempo acabou, naturalmente, aquele tipo de comando, dando lugar a outro, bem mais intenso, que o Alemão ouve e interpreta. Dele emanam preciosas indicações para a sua vida, permanentes orientações a que procura sujeitar o seu dia a dia e cumprir sempre com a presteza e vontade reveladas na adolescência. Oxalá o consiga até ao fim!...


“Olho o horizonte
E nunca vi tanta incerteza
Como hoje” (Do Alemão, 1972)







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