HISTÓRIA Nº. 18
Tanta incerteza…
“Alemão, oh alemão, onde estás? Vem já aqui!”
No fundo do quintal, sozinho, junto à velha ameixieira, escrevinhava os seus ingénuos
versinhos:
“Eu dormira mal,
A inquietação,
Do meu coração
Não era normal.
Vi bem ao espelho
Meu rosto cansado,
Fiquei assustado…
Julguei ver um velho!”
“Já vou, senhora minha mãe, já vou, não
demoro”, respondia docilmente. E não demorava mesmo. A voz de comando era
enérgica e o recado exigido deveria ser cumprido no imediato. “Vai buscar cinco tostões de farinha ao
senhor Moreira”, a mercearia na esquina da Rua da Vitória. “Pataniscas para o almoço”, descobrira o
Alemão que, cumprida a missão, lá regressava para junto da cúmplice ameixieira,
no fundo do quintal, até que nova ordem-comando interrompesse o seu desfrute
poético. Que continuava:
“Ah linda criança
Sorris para a vida
Tão embevecida
Com tal confiança
Que não vês sequer
A longa jornada
Que em busca de nada
Tens de percorrer”.
“Alemão, oh Alemão, onde estás? Vem já aqui!”,
a voz de comando. “Já vou, senhora minha
mãe, já vou”, a resposta obediente. Vezes sem conta, ano após ano. Uma vida!...
Não, não era a
energia do comando e a obrigação objetiva da obediência que fazia dele um
adolescente tristonho e pessimista, como se alcança da ingénua poesia. Aliás,
nem ainda agora consegue entender o porquê daquela forma de estar na vida que se
tem estendido no tempo e se mantém igual nos dias de hoje, agora que é “velho”: apenas desconfia!... Ou será que já desconfiava nos anos sessenta do
século passado quando escrevia assim? Poesia estranha a desse adolescente!...
“Invocar e para quê?
Apaga-se da memória
Da pessoa toda a glória
Sem que por isso se dê.
Esta vida, o que lamento,
Tem do destino ironias,
Ontem e hoje honrarias,
Amanhã o sofrimento.
Tudo passa, tudo corre,
Tudo acaba, tudo morre,
Tudo se perde no além.
Vamos nós mais devagar,
Temos tempo de ficar
No esquecimento também”.
Com o tempo acabou,
naturalmente, aquele tipo de comando, dando lugar a outro, bem mais intenso, que só o Alemão ouve e interpreta. Dele emanam preciosas indicações para a sua vida, permanentes orientações a que procura sujeitar o seu dia a dia e cumprir sempre com a presteza e vontade reveladas na adolescência. Oxalá o consiga até ao fim!...
“Olho o horizonte
E nunca vi tanta incerteza
Como hoje” (Do Alemão, 1972)
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