HISTÓRIA Nº. 91
“Quando me
viam parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava
desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se
fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios”.
(Mia
Couto, in “Antes de Nascer o Mundo”)
Ler Mia Couto é como desfolhar um volumoso
álbum de velhos retratos de família, de nós mesmos. É arriscar o despertar de
saudades adormecidas e ter de lhes sentir a dor aguda do que se viveu e se amou
até que sosseguem de novo. Memórias a preto e branco ou sépia de gente e de
vidas intensamente coloridas. O passado que poucos valorizam, mas responsável ainda
hoje por muito do que sobrevive.
Noventa e um despretensiosos
escritos, mais uns quantos intencionalmente não numerados, revelam algumas
caraterísticas do Alemão que amigos de longa data e gentis leitores bem
conhecem. Também ele utiliza palavras como “recatado, recanto, quietude,
silêncios” que, mais do que recursos de estilo de que tantas vezes se
socorre nos simples textos que compõe, são uma espécie de marca que o
identifica e lhe dá indubitável presença, traços indeléveis de uma
personalidade facilmente reconhecível, vincada profundamente ao longo do tempo
vivido. “Uma vida inteira desempenhado, de alma e corpo ocupados” …
O passado, o bom passado, há de estar
sempre presente na vida do Alemão, fazendo jus ao título do que escreve
desde o primeiro número: “História”, embora nem sempre o seja. Em muitos casos,
apenas desabafos. Alguns enigmáticos, outros nem tanto. Escreve para si... “Velho
não. Entardecido, talvez. Antigo, sim” – Mia Couto, in “Idades cidades
divindades”.
Afinal, “de que vale ter voz se só
quando não falo é que me entendem?” – Mia Couto, in “O fio das missangas”.
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