sexta-feira, 5 de maio de 2023



HISTÓRIA Nº. 91

 

“Quando me viam parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios”.

(Mia Couto, in “Antes de Nascer o Mundo”)

 

Ler Mia Couto é como desfolhar um volumoso álbum de velhos retratos de família, de nós mesmos. É arriscar o despertar de saudades adormecidas e ter de lhes sentir a dor aguda do que se viveu e se amou até que sosseguem de novo. Memórias a preto e branco ou sépia de gente e de vidas intensamente coloridas. O passado que poucos valorizam, mas responsável ainda hoje por muito do que sobrevive.   

 

Noventa e um despretensiosos escritos, mais uns quantos intencionalmente não numerados, revelam algumas caraterísticas do Alemão que amigos de longa data e gentis leitores bem conhecem. Também ele utiliza palavras como “recatado, recanto, quietude, silêncios” que, mais do que recursos de estilo de que tantas vezes se socorre nos simples textos que compõe, são uma espécie de marca que o identifica e lhe dá indubitável presença, traços indeléveis de uma personalidade facilmente reconhecível, vincada profundamente ao longo do tempo vivido. “Uma vida inteira desempenhado, de alma e corpo ocupados” …

 

O passado, o bom passado, há de estar sempre presente na vida do Alemão, fazendo jus ao título do que escreve desde o primeiro número: “História”, embora nem sempre o seja. Em muitos casos, apenas desabafos. Alguns enigmáticos, outros nem tanto. Escreve para si... “Velho não. Entardecido, talvez. Antigo, sim” – Mia Couto, in “Idades cidades divindades”.

 

Afinal, “de que vale ter voz se só quando não falo é que me entendem?” – Mia Couto, in “O fio das missangas”.

 

    

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