sexta-feira, 27 de dezembro de 2019



HISTÓRIA Nº. 58


Acoste o seu barquinho...


A parcialidade em tanta informação. A opinião pessoal que pretendem inculcar no outro como sendo A Verdade, a única. A crítica tendenciosa. A insinuação habilidosa, perversa. A história deliberadamente mal contada, distorcida. O descontrolo emocional na discussão da dama que se defende. A desfocagem do que é essencial. E muito, muito mais, a nausear o dia a dia do Alemão. Toda esta desinformação, que despreza, obriga-o a navegar à vista. Junto à costa, que já não é tempo de enfrentar o mar alto. Talvez seja até o momento de acostar definitivamente … Oxalá, em algum porto seguro!


A este propósito, o Alemão lembrou-se dos conselhos que, em ocasiões de confusão no passado, recebia de uma ilustríssima senhora, infelizmente já desaparecida, e em que pontificava esta imagem: “acoste o seu barquinho por um tempo”. O olhar arguto da amiga Conceição, assim se chamava, percebia que o mar estava excessivamente ocupado por embarcações de maior porte e que, do alto das suas amuradas, desprezavam os simples e fracos “caíques” a quem disputavam o espaço. O perigo não vinha do mar em si mesmo, mas sim das manobras dos grandes. Que partiam logo que atingidos os seus objetivos. Com o regresso da calma lá vinha o conselho libertador: “faça-se de novo ao mar, mas vá sempre junto à costa…” Até ao próximo retiro, concluía o Alemão. E foram muitos ao longo dos anos.


De retiro em retiro o Alemão tem sobrevivido. Atentamente, tem mareado por onde nem sempre vê observadas as regras de segurança por todos os que com ele se cruzam. O “caíque” é velho, mas ainda flutua. Remada após remada, em lento avanço que evidencia já muito cansaço, navegando junto à costa, lá vai cumprindo a sua vida. Como lhe é permitido. Dentro do possível, como lhe recomendaram.


Até ao próximo retiro…





sábado, 21 de dezembro de 2019





HISTÓRIA Nº. 57



O mundo é dos espertos…



Mentiras, ofensas, traições, humilhações, desconsiderações, desrespeitos…. Tanta matéria facilmente memorizável e que os seus autores geralmente não lembram. “Fui eu?”, perguntam incrédulos quando interpelados. “Pode lá ser, eu nunca faria uma coisa dessas”, inocentam-se. Memória curta? Consciência cauterizada? Espaço cerebral programado em estranho bloqueio para o que não vale a pena registar?  


O outro, coitado, já quase não existe. Se lhe concedem por momentos a existência, ao outro, algum interesse estará a isso subjacente. Desconfie-se. Existência soluçante, como se o mundo lhe desse, ao outro, apenas um pequeno espaço de aparição, de tempos a tempos. Para ser gente, pois então, mas sem protagonismos. É que o papel principal já tem dono…


Ontem, quando regressava a casa de mais uma viagem a Lisboa com o meu amigo de muitos e muitos quilómetros, através da visibilidade reduzida que a chuva abundante e persistente da Elsa provocava no para-brisas, o Alemão vislumbrou, mais uma vez, um dos lados mais negros e mais lamentáveis da vida: o egoísmo. Trezentos e poucos quilómetros de caminho deram-lhe algum tempo para referenciar muito do que não deveria acontecer em sociedades que se autoproclamam justas e preocupadas com o outro. Palavras, muitas palavras, mas só palavras… Os sofrimentos, esses, eternizam-se. “Só acontece aos vivos”, pareceu-me ouvir o amigo Alfredo cujo verbum realista e sempre oportuno recordo inúmeras vezes…  


Realmente, o mundo é dos espertos…



segunda-feira, 16 de dezembro de 2019






HISTÓRIA Nº.56



O tempo não está a ajudar…



Mais um inverno que se antecipou ao calendário. Uma frente fria vinda sabe-se lá donde, trouxe consigo densos nevoeiros, chuvas copiosas, queda acentuada da temperatura, ventos fortes, agitações marítimas, inundações. Enfim, calamidades...


Será das alterações climáticas cujas razões têm vindo a preocupar a humanidade e a promover tantas manifestações, passeatas, reuniões e mais reuniões, com vista a levar os homens do poder à implementação de medidas salvadoras do planeta? O Alemão, que sabe muito pouco sobre o assunto, limita-se a constatar: de facto, o tempo não está a ajudar…


Este Dezembro frio e chuvoso lembra ao Alemão os Invernos por que passou. E já foram muitos. A dureza de alguns deles sentiu-a mais na infância e na adolescência, ao longo da segunda metade do século passado. Junto aos amigos de então, companheiros de pobreza e de alguma miséria. Mas sempre solidários, até no pouco que dividiam generosamente. Pouca roupa, sapato furado, pão duro, ausência de aquecimento nas pobres casas que habitavam, onde tantas vezes chovia mais dentro do que na rua, escola e trabalho longe do local onde habitavam e cujo percurso faziam sempre a pé… Que sofrimento! Mas a vida não parou, foi-se cumprindo, apesar de tudo, com mais ou menos ânimo, com mais ou menos alegria, sobretudo com determinação. E sem queixas…


Até hoje, todos os Invernos passaram. E os que vierem passarão, também. Quem viver o comprovará. Embora preocupado com as alterações climáticas, que não desvaloriza, o Alemão sofre mais, perdoem-lhe, com a desumanização, o egoísmo, a hipocrisia e seus inerentes interesses, que têm vindo a destruir no mundo o que nele mais deveria ser preservado: o amor.


Quantas alterações no mundo!...