segunda-feira, 3 de junho de 2019







HISTÓRIA Nº. 49



Uma flor para todos os “outros” …



“Daqueles tempos tenho apenas memórias cinzentas”, disse a simpática senhora para alguém a seu lado, enquanto servia o cimbalino despertador ao Alemão. Em português correto, mas com sotaque. Deu para perceber que falava dos anos 80 do século passado e sobre uma região distante, possivelmente a terra onde nasceu. Tom de voz calmo, mesmo doce, revelador de um conformismo próprio de quem acha ter nascido para sofrer e, por isso, sem a possibilidade de evitar as dores e mais dores que lhe acinzentaram a vida. Terminado o cimbalino da manhã, o Alemão saiu do pequeno recinto pensativo. O conhecimento da História recente levou-o ao lugar onde ocorreram os fatos sugeridos e que marcaram indelevelmente a vida daquela angélica criatura. Passaram-se já muitos anos. Com eles tanta modificação no mundo. Quem infligiu aqueles sofrimentos na sua maioria já não existe. E os que ainda existam, saíram de cena incógnitos e possivelmente vivendo o resto dos seus dias tranquilamente. Tranquilamente?!...


Memórias cinzentas, expressão que emocionou o Alemão e o levou a recuar até alguns momentos-situações que gostaria de nunca mais lembrar. Não conseguiu, porém, impedir tais recordações. Foi-lhe impossível não ver algumas figuras que marcaram pela negativa a sua vida. Uma boa parte já nem vive. Paz à sua alma! Outra, inteligentemente e antes que as coisas se complicassem, afastou-se dos palcos que tanto frequentou, “saindo de fininho”, para viver o resto dos seus dias tranquilamente. Tranquilamente?!... Outra, resistente, ainda pulula por aí exibindo-se como portadora de uma moralidade inatacável que a faz viver em paz. Em paz?!...


Impressionante como o egoísta usa a interlocução do “outro”. Este somente existe para dar cumprimento a ambições e projetos cuja concretização interessa apenas àquele. Tem sempre razão, está sempre certo, o egoísta. A água tem de correr sempre na sua direção, única direção. E o que não der certo há de ser sempre por culpa do “outro”.   


Memórias cinzentas, bruma espessa que somente uma Luz Poderosa atravessa de modo a fazer o Alemão compreender porque é que o passado ainda dói, mas não o impediu de caminhar até ao dia de hoje. “Se o Deus de meu pai, o Deus de Abraão, e o temor de Isaque não fora comigo, por certo me enviarias agora vazio” (Genesis, 31).