segunda-feira, 20 de maio de 2019









HISTÓRIA Nº. 48



Passeios pelo campo…




Terá morrido de pé como todas as árvores. Nogueira centenária, enorme e majestosa, sobressaía dominadora do meio de um vasto campo que sempre pareceu abandonado e que confrontava com um caminho de cabras (pelos montes não faltam caminhos!) que levava a Poiares. Uma espécie de necessidade de afirmar a sua pequenez confrontando-a com aquele gigante da natureza habituou o Alemão a uma diária peregrinação, quase religiosa, sempre que por ali andava. Mas já não existe, aquela que foi grande. Removeram-na, reduzindo-a, certamente, a pedaços facilmente transportáveis, deixando apenas sepultado algum pedaço das suas raízes mais profundas... que nunca mais brotarão da terra. Levaram a imponência que enchia o quadro daquela paisagem duriense. Única. Aquele caminho já não é a mesma coisa…



A peregrinação tinha outros santuários: os cardenhos de xisto que o Alemão conheceu, desde sempre, abandonados, cobertos por silvas (amoreiras-silvestres) carregadas de generosos frutos que, muitas vezes, terminavam em açucaradas sobremesas. De vez em quando, como que agradecidos pela única visita que ainda recebiam, punham a descoberto alguma relíquia que, assim, poupavam ao eterno esquecimento: alguma chave enorme, enferrujada, escondida por entre as pedras junto à fechadura e que alguém ali deixou ao sair pela última vez…; ou alguma lamparina oxidada, esquecida da sua última luz… Mas, verdadeiramente inesquecível, o silêncio quase absoluto sobre aquele campo sagrado, que nem os sardões, lagartixas, coelhos bravos, lebres e tantos outros seres daquela riquíssima biodiversidade ousavam perturbar.



De longe a longe, um “bom-dia lhe dê Deus” da boca de alguém cujo rosto se escondia no meio do molho de lenha acabada de apanhar num dos montes vizinhos e que, pendendo para todos os lados, quase lhe cobria os pés. “Obrigado, Deus abençoe”, retribuía o Alemão evitando referir o género (seria homem?... Seria mulher?...), olhando com admiração o trajeto-movimento daquela criatura que, sem queixumes, carregava tão grande e pesado fardo. E que ainda falava de Deus!...





quarta-feira, 15 de maio de 2019






HISTÓRIA Nº. 47



Há dias e dias…



Há dias assim... Pesados, perturbadores, trazendo-nos uma estranha sensação de culpa por todos os problemas do nosso pequenino mundo. Pelo que não fizemos, pelo que não dissemos e, sobretudo, pelo que não previmos. Uma acusação de incompetência nos amassa até ao pó da terra como se não merecêssemos levantar a cabeça em cumprimento da mais simples ambição de respirar um melhor ar, uma melhor paz…. Dura punição!


O esforço de uma vida só é enaltecido no momento da glória alcançada - se alcançada!... Para muitos, existe tal reconhecimento apenas no que satisfaz. O caminho percorrido ou a percorrer dificilmente merece apreciação positiva. A pressa de chegar desvaloriza a beleza e o valor de cada passo. Justa ou injusta, a vida é isto mesmo. Entre os homens, o prémio do esforço sempre dependerá do resultado: a glória ou o esquecimento!


O Alemão deseja que o peso deste dia passe rapidamente. Quem sabe, talvez amanhã a leveza do novo dia perpasse por todos os lugares do nosso pequenino mundo. Afinal, nem todos os dias são iguais!...