domingo, 19 de julho de 2020





HISTÓRIA Nº. 65



Sem aviso de recepção…



Domingo, manhã cedo. Temperatura amena, saborosa, depois do sofrimento causado pelo imenso calor dos últimos dias. Uma volta ao quarteirão para o habitual café despertador. Não mais do que essa pequena caminhada, que a vontade de circular pela cidade não é muita. Para além de desaconselhada. Observa o vazio urbano. Falta a alegria, a paz, a tranquilidade e o ânimo de muitos domingos do passado.  Do passado longínquo, sim, porque o Alemão já é idoso. E de repente, por falar nisto, a lembrança do movimento entusiasmante de crianças e jovens, muitos, subindo a Rua de S. Roque da Lameira, aos domingos de outras eras, pela manhã...


Agora, a amargura da descoberta do não saber nada, quando se achava conhecer já o suficiente, pelo menos. Agora, o medo de avançar por um caminho que parecia definitivamente aberto, mas que nestes últimos tempos se revelou impenetrável ou, no mínimo, inseguro. Agora, a estranha hesitação em enfrentar, sem exército e sem armas eficazes que o tempo enferrujou, uma força tão estranha quanto poderosa. Agora, a torturante dúvida sobre tudo o que se tinha como certo e, por isso, projetado no futuro. Agora, a ausência de soluções tão reveladora da incapacidade humana. Que desolação!


O Alemão anda triste. Os amigos conhecem-no, pelo que esta confissão acaba por ser uma redundância. E está triste porque percebe que os seus bons amigos também estão e não sabe o que fazer por eles…  A não ser, em jeito de carteiro à antiga portuguesa, depositar nas suas caixas do correio uma mensagem milenar que todos conhecem. Afinal, é só lembrar: ” O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã!”


Sem aviso de recepção…





sexta-feira, 3 de julho de 2020






HISTÓRIA Nº. 64


Retrato a preto e branco…


Tempos difíceis! Comportamentos estranhos, mas que se compreendem. Descontrolos emocionais. Muita da lucidez comprometida. E uma longa lista de sentimentos os mais diversos que ninguém sabe no que resultarão. Há quem diga que, depois destes tempos, nada será como antes…

Desgostoso com o que vê e ouve desde o seu posto de observação a que subiu há muito tempo, o Alemão vai pensando na vida. Fazendo-o, lembrou-se, e não quis deixar de assinalar, e só assinalar, uma das poucas datas que conserva no seu memorial mais íntimo. Inapagável, aconteça o que acontecer ainda. Não construiu uma história, não, que a inspiração anda arredia. Não cozinhou uma “faneca da pedra que muitos dos seus amigos apreciam quando bem frita, acompanhada de um arrozinho de tomate a fugir do prato”. Desta vez, mergulhou apenas na História. E só isso…


Retrato a preto e branco: “O fato cinza, no tempo em que as roupas duravam, ou tinham de durar, ainda dignificava o corpo magro do jovem sonhador. Estreara-o poucos meses antes, no dia do seu casamento. O melhor que tinha. Usava-o, de novo, na assunção de um outro compromisso. Era uma quinta-feira de Julho, anos setenta do século passado. Ao princípio da noite. Duas mãos possantes pousaram sobre a sua cabeça. Um menino recebido no seio de um grupo de Grandes Homens. E como foram Grandes! Entregaram-lhe o que não pediu. Não recusou.”


A família, o trabalho e os estudos ganharam, então, um forte concorrente!... O desafio foi conciliar tantas tarefas. Possivelmente falhou em alguma ou em todas elas umas quantas vezes. A definição de prioridades nem sempre lhe foi fácil. Eventualmente, nem sempre compreendida. Ganhou amigos, perdeu outros, talvez muitos. E embora lhe digam que nem Cristo agradou a todos, não esconde que gostaria de não ter inimigos… “Utopia, Alemão!” – gritaram-lhe de longe. Concorda…


Parece ter sido ontem, mas já passaram quarenta e cinco anos. Hoje…